Durante mais de uma década, a Apple teve um histórico consistentemente positivo: o iPhone fez dela a empresa mais valiosa do mundo; a App Store, sua loja virtual de aplicativos ajudou a lançar o Uber e o Airbnb, por exemplo, e seus novos produtos a tornaram participante nos setores de saúde e de finanças, bem como em Hollywood.
Mas esse cenário está mudando: na última quinta-feira, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos apresentou uma ação antitruste contra a Apple por conceder vantagens aos seus produtos, mas não aos seus concorrentes. O processo é o mais recente de uma série de outros movidos contra a empresa por reguladores de três continentes.
Os problemas estão testando a resiliência da marca Apple e minando sua hegemonia empresarial, mas seus produtos seguem sendo populares e impulsionando um negócio extremamente lucrativo: no ano passado, a empresa declarou US$ 97 bilhões de lucro e US$ 386 bilhões em vendas.
Abaixo, alguns desafios iminentes.
A ação movida pelo Departamento de Justiça na semana passada mirou diretamente no negócio mais importante da empresa: o iPhone. Em uma ação de 88 páginas, o governo argumenta que a Apple violou as leis antitruste ao impedir que outras companhias oferecessem aplicativos concorrentes de seus produtos, como a carteira digital.
O processo, cuja investigação sobre a Apple já dura anos, se concentrou na maneira como a empresa controlou a experiência do usuário no iPhone e em outros dispositivos para criar o que os críticos chamam de campo desigual. A empresa concedeu aos próprios produtos e serviços acesso a recursos básicos, como o chip NFC e o sistema de notificações, que foram negados a concorrentes como o PayPal e os smartwatches da Garmin.
O caso pode levar meses até ser julgado.
No dia quatro de março, a Comissão Europeia multou a Apple em 1,8 bilhão de euros (US$ 1,95 bilhão) por prejudicar seus concorrentes de serviços de streaming de música ao impedir que oferecessem ao usuário promoções e atualizações de assinatura. Como é a Apple que controla o acesso dos desenvolvedores aos clientes do iPhone, os reguladores europeus afirmaram que a empresa redigiu as regras da App Store de forma a permitir que o Apple Music oferecesse vantagens negadas a concorrentes como o Spotify.
“A partir de agora, a Apple terá de permitir que os desenvolvedores de serviços de streaming de música se comuniquem livremente com seus usuários. O tamanho da multa é proporcional ao poder financeiro da empresa e ao dano que seu comportamento causou a milhões de usuários europeus”, disse Margrethe Vestager, vice-presidente executiva da Comissão Europeia encarregada da política de concorrência.
O Spotify acusou a empresa de postergar uma solicitação para informar os usuários sobre ofertas em seu site depois da emissão da multa. A Comissão Europeia anunciou que a Apple poderia enfrentar multas adicionais se não cumprisse as ordens.
A Apple também enfrenta penalidades financeiras dos reguladores da Coreia do Sul e dos Países Baixos.
Em 2021, autoridades neerlandesas determinaram que a Apple violara as leis de concorrência no mercado de aplicativos de namoro, impedindo que serviços como o Tinder usassem outros sistemas de pagamento além dos fornecidos pela empresa. Em vez de permitir que outros sistemas arrecadassem esse dinheiro, a Apple reduziu sua comissão para 27 por cento do preço pago pelo usuário, em comparação com sua taxa usual de 30 por cento. Mas os reguladores neerlandeses disseram que essa medida não estava em conformidade com a lei e multaram a empresa em 50 milhões de euros (US$ 53 milhões) no ano passado.
Um cenário semelhante está acontecendo na Coreia do Sul, onde os legisladores estão entre os primeiros do mundo a responder às queixas dos desenvolvedores sobre as comissões da App Store e a aprovar uma lei para forçar a empresa a permitir sistemas de pagamento alternativos. A Apple reduziu sua comissão para 26 por cento. O órgão regulador de telecomunicações do país declarou que poderia multar a empresa em US$ 15,4 milhões por “práticas injustas”.
A Apple afirmou que não concorda com as conclusões dos reguladores neerlandeses e sul-coreanos. Recorreu da multa imposta pelos Países Baixos e está aguardando os resultados de uma investigação sul-coreana.
Outros países, entre eles o Japão, a Austrália e o Reino Unido, estão considerando legislações ou regulamentações que poderiam forçar a Apple a flexibilizar suas restrições. As mudanças regulatórias que eles estão debatendo podem obrigar a empresa a oferecer opções de pagamento alternativas e a reduzir suas comissões. Observando como a Apple cumpriu leis semelhantes em outros lugares, os legisladores podem optar por ser mais específicos em sua elaboração de regras.
Esses regulamentos seriam os mais recentes a fragmentar a App Store – que sempre foi uma plataforma unificada para o mundo inteiro – em uma variedade de lojas digitais em diferentes países.
No outono setentrional passado, a China começou a instruir os funcionários dos órgãos públicos a não usar o iPhone para trabalhar. As autoridades, que não se pronunciaram publicamente, apontaram “relatos da mídia” sobre falhas de segurança nos aparelhos. Mas a diretriz teve repercussões em todo o mercado de smartphones do país.
As vendas do iPhone na China caíram 24 por cento nas seis primeiras semanas do ano, segundo a Counterpoint Research, que monitora o setor. Ao mesmo tempo, as vendas da Huawei, que já foi a maior fabricante de smartphones da China, aumentaram 64 por cento depois do lançamento de um novo modelo de celular com conexão 5G.
Por causa da App Store, a Epic Games, criadora do jogo Fortnite, processou a Apple em 2020, mas esta saiu amplamente vitoriosa. Um juiz federal, contudo, deu um golpe duro no controle da Apple sobre a App Store, decidindo que a empresa violava as leis de competição da Califórnia ao impedir que os desenvolvedores de aplicativos oferecessem métodos alternativos de pagamento pelos serviços.
Depois que a Suprema Corte optou por não analisar o caso, a Apple prometeu cumprir a decisão da mesma maneira que fez nos Países Baixos: reduzindo sua comissão para 27 por cento para desenvolvedores que usam opções de pagamento alternativas.
Na semana passada, a Epic apresentou uma petição ao tribunal contestando o cumprimento da decisão por parte da Apple, alegando que as novas taxas e as regras subvertem a ordem do juiz. A Meta e a Microsoft apresentaram um documento em apoio à Epic, preparando o terreno para que o tribunal tenha de decidir novamente se a Apple está violando a lei da Califórnia.
Antes que os reguladores europeus começassem a aplicar este mês uma nova lei de competição para oferecer mais opções aos clientes, os fabricantes de aplicativos reclamavam que a resposta da Apple à lei desafiava as normas. A empresa deveria abrir o iPhone para lojas de aplicativos e sistemas de pagamento alternativos, mas adicionou esses recursos a novas comissões e requisitos.
Na segunda-feira, dia 18, os desenvolvedores se encontraram com a Apple na Europa e questionaram a empresa sobre como as comissões se encaixam na lei, que tem várias disposições “livres de encargos”. A Apple insistiu que suas políticas estão em conformidade com os novos regulamentos.
É possível que os reguladores europeus abram uma investigação formal sobre os planos da Apple. O processo pode iniciar uma longa batalha legal que talvez force a Apple a mudar ou a enfrentar multas de até dez por cento de sua receita global anual, que foi de quase US$ 400 bilhões no ano passado.
Os investidores da Apple estão pedindo que a empresa entre no mundo da inteligência artificial (IA) generativa. Essa tecnologia, capaz de responder a perguntas, criar imagens e escrever código, tem sido aclamada por seu potencial de gerar trilhões de dólares em valor econômico.
Mas, num momento em que empresas como a Microsoft e o Google estão começando a criar negócios de IA generativa, a Apple ainda não lançou nenhum produto. Tim Cook, CEO da Apple, assegurou aos investidores que existirá algo até o fim deste ano. A empresa tem mantido conversas com o Google para incorporar seu modelo de IA, o Gemini, ao iPhone.
Os investidores fizeram com que as ações da Apple caíssem mais de 3,75 por cento este ano. Ao mesmo tempo, o índice composto Nasdaq, repleto de valores tecnológicos, subiu quase 11 por cento.
c. 2024 The New York Times Company
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