O fato de que eventos como Primavera Sound São Paulo e Rock The Mountain tenham dedicado esforços em fazer line-ups com 50% e 100% de mulheres, respectivamente, em suas últimas edições, pode criar uma ilusão: a de que elas já estão em pé de igualdade com os homens quando o assunto é a presença nos festivais de música no geral.
Mas, infelizmente, esse não é o caso. Um novo levantamento aponta que, em 2023, as artistas femininas não chegaram a representar sequer 35% das atrações em eventos de pequeno, grande e médio porte pelo Brasil.
Uma constatação triste para encerrar o “Mês das Mulheres”.
Contra fatos não há argumentos
Os dados vêm de um estudo publicado em março de 2024 pela pesquisadora musical Thabata Lima Arruda. Ela assina o levantamento Mulheres nos Palcos: diversidade de gênero e raça nos festivais brasileiros de 2016 a 2023. A pesquisa já começa a levantar questões essenciais sobre a representatividade feminina nos principais festivais de música do país.
Segundo o estudo, o crescimento da presença das mulheres nos festivais acontece – porém, de forma inconstante. Em 2016, elas eram cerca de 13% dos line-ups. No mundo pré-pandêmico, o auge foi em 2019, chegando a 24,2% de representatividade.
Já em 2021, atingiram a marca de 36,8% das programações dos festivais, para cair mais de 4% no ano seguinte. Em 2023, subiu novamente para 34,6%, o número mais recente registrado.
Motivos para comemorar?
O crescimento de mais de 20% em sete anos deve ser reconhecido, porém a pesquisa aponta dados preocupantes.
Não apenas um, mas cinco dos eventos analisados conseguiram realizar suas edições de 2023 sem a presença de uma mulher sequer nos palcos. Foram os festivais São Gonçalo Rap, Rap Mix, Nova História, Plantão e Mirante Roots.
Grandes eventos, como Abril Pro Rock e Planeta Atlântida, também deixaram a desejar, com apenas 9,5% e 13,3% de mulheres, respectivamente.
Claramente, ainda há muito avanço a ser feito.
De onde vem esses números?
A pesquisa conduzida por Thabata Lima Arruda baseou-se em dados coletados em dois de seus estudos anteriores, já publicados: A Presença Feminina nos Festivais Brasileiros de 2016 a 2018 (Zumbido/Selo Sesc, 2019) e A Presença Feminina nos Festivais Brasileiros de 2019 (Zumbido/Selo Sesc, 2020). Além dos 100 eventos analisados entre 2016 e 2019, foram incluídas 204 edições realizadas entre 2020 e 2023.
Ao todo, foram classificadas 8.185 atrações em três categorias distintas: homens (solistas e bandas compostas apenas por homens), mulheres (solistas e bandas compostas apenas por mulheres e/ou pessoas não-binárias) e mistas (projetos musicais compostos por no mínimo uma integrante mulher ou pessoa não-binária).
Tudo para desenhar um panorama real da representatividade nos palcos brasileiros.
O recorte racial
A pesquisa também levanta dados importantes sobre a diversidade racial nos festivais – ou, melhor, sobre a falta dela. Mulheres negras não eram nem um quinto do total. Arruda explica:
No que se refere à presença de artistas mulheres pretas solistas, os festivais não atingiram nem os 20% entre 2016 e 2023. Destaque para 2021, quando o percentual chegou aos 26,1%.
Novamente, os dados foram categorizados em atos musicais solos, abrangendo mulheres ou pessoas não-binárias solistas pretas, homens solistas pretos, mulheres ou pessoas não-binárias solistas brancas e homens brancos.
Um balanço de 2023
Entre os eventos realizados no último ano, apenas quatro festivais conseguiram atingir a marca de 50% de presença feminina em seus line-ups: Favela Sound, em Brasília, Saravá, em Florianópolis, La Folie Fest, no Recife, e Rock The Mountain, no Rio de Janeiro.
Esses números revelam um avanço significativo, mas também destacam a necessidade contínua de esforços para promover a igualdade de gênero.
Um olhar no futuro
Apesar dos avanços registrados, não há como negar que continuam desafios significativos, como a sub-representação de artistas mulheres pretas solistas e a necessidade de uma abordagem mais inclusiva por parte das curadorias dos festivais.
O relatório ressalta a importância de reconhecer e confrontar as formas sutis de desigualdade de gênero e raça, exigindo um compromisso renovado com a diversidade e a igualdade em todos os níveis da indústria da música.
É como Thabata explica, na conclusão de seu estudo:
Os dados evidenciam a disparidade de oportunidades entre homens e mulheres em diversos palcos e mostram que as curadorias continuam optando por ignorar o trabalho das mulheres durante seus processos de contratação. Estamos falhando como indústria ao permitir que o potencial criativo e de carreira de parte dessa cadeia produtiva continue sendo limitado pela misoginia e pelo racismo. É urgente e necessário um plano de ação sério para confrontar, desafiar e legislar sobre as condições desiguais apresentadas neste relatório.
Os festivais de música, historicamente considerados espaços de transformação social, têm um papel fundamental a desempenhar na promoção de uma cultura mais inclusiva e equitativa, mas isso requer um compromisso conjunto para desafiar e reformar as estruturas que perpetuam a discriminação.
E você, vai continuar comprando ingresso para festival que ignora as mulheres?
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