As exportações das fábricas da China estão avançando mais depressa do que quase todos esperavam, colocando em risco postos de trabalho no mundo inteiro e provocando uma reação que está ganhando força.
De aço e carros a equipamentos eletrônicos e painéis solares, as fábricas chinesas estão encontrando cada vez mais compradores para seus produtos no exterior. O apetite global por seus produtos é bem recebido pela China, que está enfrentando uma grave desaceleração no que foi o maior impulsionador do crescimento da economia: a construção e a preparação de apartamentos para moradia. Mas outros países estão cada vez mais preocupados com o fato de a ascensão da China estar se dando parcialmente à sua custa, e estão começando a tomar providências.
A União Europeia anunciou na semana passada que está se preparando para taxar todos os carros elétricos importados da China. Afirmou ter encontrado “provas substanciais” de que as agências governamentais chinesas têm subsidiado ilegalmente essas exportações. A China nega.
O valor das tarifas não será definido até o próximo verão setentrional, mas haverá incidência sobre qualquer carro elétrico importado pelo bloco a partir do dia 7 de março.
Durante uma visita a Pequim em dezembro, líderes europeus alertaram que a China está compensando sua crise habitacional com a construção de muito mais fábricas do que o necessário.
Esta já fabrica um terço dos produtos manufaturados do mundo, mais do que os Estados Unidos, a Alemanha, o Japão e a Coreia do Sul juntos, de acordo com a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial.
A União Europeia também está pensando em impor restrições à importação de turbinas eólicas e painéis solares da China. A Índia anunciou em setembro que imporia amplas tarifas sobre o aço chinês. A Turquia tem se queixado de que a China vem enviando exportações a torto e a direito, enquanto faz poucas importações.
O governo Biden, que manteve em vigor as tarifas do ex-presidente Donald Trump, já impôs uma longa lista de restrições às exportações americanas de alta tecnologia. “Eu me certifiquei de que as tecnologias americanas mais avançadas não possam ser utilizadas na China, não permitindo que sejam comercializadas lá”, declarou o presidente Joe Biden em seu discurso sobre o Estado da União na quinta-feira.
As exportações chinesas, calculadas em dólares, aumentaram sete por cento nos meses de janeiro e fevereiro em relação ao ano passado. No entanto, a queda dos preços de muitos produtos chineses – decorrente de um excesso de produção na China – significa que a quantidade física das exportações e sua participação no mercado global estão aumentando muito mais rapidamente do que isso.
A China encontrou maneiras de contornar algumas taxas. Quantidades cada vez maiores de componentes chineses são exportadas para países como o Vietnã, a Malásia e o México. Estes processam as mercadorias para que sejam consideradas como produtos próprios e não como fabricadas na China. Em seguida, enviam-nas para os Estados Unidos e a União Europeia, que cobram deles tarifas baixas, ou até mesmo oferecem isenções.
Os Estados Unidos e a União Europeia estão ficando preocupados. Katherine Tai, a Representante do Comércio dos EUA, alertou na semana passada, em comentários em um evento da Brookings Institution, que o Acordo EUA-México-Canadá, que substituiu o Nafta, deveria ser revisto no verão setentrional de 2026. Deu a entender que os EUA poderiam insistir em regras mais rígidas sobre a origem dos componentes, principalmente dos automóveis – posição também defendida no outono por Robert E. Lighthizer, que foi o representante de Comércio Exterior de Trump e agora é o principal consultor comercial da campanha eleitoral do ex-presidente. “A China já é um elemento realmente importante de tensão e preocupação nas relações comerciais da América do Norte”, ressaltou Tai.
Além da iminente taxação dos produtos de energia limpa importados, a Europa vai instaurar em breve um imposto sobre as importações provenientes do mundo inteiro, com base na quantidade de dióxido de carbono emitida durante sua fabricação.
O novo imposto é conhecido como mecanismo de ajuste de carbono da fronteira, ou CBAM (sigla em inglês). No entanto, foi apelidado de “bomba C” na Europa, porque incidirá pesadamente sobre as importações que vêm direta ou indiretamente da China. Dois terços da eletricidade consumida no país oriental são gerados pela queima de carvão altamente poluente, o que significa que muitas de suas exportações para a Europa poderão ser atingidas pelo novo imposto.
A Europa e os Estados Unidos também enfrentam ameaças da China às suas relações econômicas de longa data com países em desenvolvimento, que cada vez mais optam por produtos chineses mais baratos. Em grande parte da América Latina e da África, os países agora compram mais da China do que das democracias industriais vizinhas, e os EUA e a Europa pouco podem fazer a respeito. “Não há regras para impedir que produtos subsidiados e artificialmente baratos prejudiquem suas exportações para o resto do mundo”, comentou Susan C. Schwab, que foi a representante de Comércio Exterior dos EUA no governo do presidente George W. Bush.
As autoridades chinesas, por sua vez, expressaram preocupação durante a sessão anual da legislatura do país, concluída na última segunda-feira, com o que consideram uma onda de protecionismo injusto. O ministro do Comércio, Wang Wentao, citou um estudo recente do Fundo Monetário Internacional que constatou que o número de restrições comerciais em todo o mundo quase triplicou nos últimos quatro anos, muitas delas direcionadas à China.
Autoridades de comércio exterior e economistas geralmente citam três aspectos da política industrial da China que impulsionam suas exportações. Os bancos estatais concedem empréstimos para fábricas a taxas de juros baixas, as cidades transferem terrenos públicos para a construção de fábricas a um custo reduzido ou gratuito, e a rede elétrica estatal mantém os custos baixos.
De acordo com o Banco Central da China, os novos empréstimos para o setor aumentaram de US$ 83 bilhões em 2019 para US$ 670 bilhões no ano passado. Em contrapartida, os empréstimos líquidos para o setor imobiliário encolheram de US$ 800 bilhões em 2019, para US$ 75 bilhões no ano passado.
Zheng Shanjie, principal planejador econômico da China, reafirmou a política industrial do país na semana passada, dizendo que “a terra e a energia serão canalizadas para bons projetos”.
A explosão das exportações da China fica evidente em seu superávit comercial de produtos manufaturados, o maior que o mundo já viu desde a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, esses excedentes correspondem a déficits em outros países, o que pode ser um entrave ao seu crescimento.
O aumento do superávit não se deve apenas ao aumento das exportações. Nas últimas duas décadas, a China reduziu ou interrompeu a compra de muitos produtos manufaturados do Ocidente, como parte de uma série de medidas de segurança nacional e desenvolvimento econômico.
Os superávits da China referentes a produtos manufaturados são agora aproximadamente duas vezes maiores, em relação à economia global, do que os maiores excedentes alcançados pelo Japão durante a década de 1980, e pela Alemanha logo antes da crise financeira global, de acordo com os cálculos de Brad Setser e Michael Weilandt, economistas do Conselho de Relações Exteriores em Nova York.
Os déficits com o Japão e a Alemanha foram tolerados por muito tempo, uma vez que estes são aliados dos EUA. A China, porém, é um aliado cada vez mais próximo da Rússia, da Coreia do Norte e do Irã. O ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, mencionou calorosamente os três países, especialmente a Rússia, em coletiva de imprensa na semana passada: “Manter e desenvolver as relações entre a China e a Rússia é uma escolha estratégica feita por ambos os lados com base nos interesses fundamentais dos dois povos.” A Rússia se tornou um portal crescente para as exportações da China, especialmente de veículos, já que os exportadores das democracias industriais deixaram de vender para a Rússia depois da invasão da Ucrânia.
Economistas ocidentais, e até mesmo alguns na China, têm pedido que o país se empenhe mais em ajudar os consumidores em vez de aumentar a produção das fábricas. O primeiro-ministro Li Qiang, a segunda maior autoridade da China depois de Xi Jinping, anunciou ao legislativo, em seu discurso anual na semana passada, que avançaria nessa direção, mas seus passos foram pequenos. Ele informou que a China aumentaria as pensões mínimas do governo para idosos, por exemplo, mas apenas em US$ 3 por mês. Isso custaria menos de um centésimo da produção econômica do país.
c. 2024 The New York Times Company
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