Quando 1917 concorreu ao Oscar de melhor filme em 2020, além de ser indicado a outras nove categorias, ficou claro que os épicos da Grande Guerra haviam deixado o óbvio para trás. Ainda há muitas camadas a serem exploradas sobre o assunto, e este texto é sobre isso. Mas é evidente que o conceito da banalização do mal permeia todas elas.
Enquanto o filme de Sam Mendes mergulhou no absurdo do conflito ao assumir o ponto de vista de dois jovens britânicos na primeira etapa da batalha, com estética revolucionária de filmagem continuada entre as trincheiras, Zona de Interesse entra na corrida pela principal estatueta em 2024 com o retrato da absoluta indiferença dos alemães ao genocídio judeu.
Adaptado do romance homônimo do britânico Martin Amis em 2014, o filme, já congratulado em Cannes, leva ao extremo a vulgarização da barbárie, captada pela filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) durante o julgamento do carrasco Adolf Eichmann (1906-1962).
A expressão “banalização do mal” designa como pessoas normais foram capazes de se eximir do senso moral e ético das atrocidades que cometiam ao executá-las sistematicamente como funções que lhes foram atribuídas cotidianamente pelo Estado nazista.
No caso de Zona de Interesse, essa apatia é escancarada no retrato da família de Rudolf Höss (1901-1947), comandante do campo de concentração de Auschwitz.
Em plena Segunda Guerra Mundial, ele e a mulher criam os filhos em uma casa bucólica — com belo jardim, piscina, empregados, bebidas caras, refeições cuidadosamente preparadas e até um simpático cachorrinho.
Normal? Talvez. Não fosse o fato de apenas um muro separar o lar perfeito do local que assassinava sistematicamente 6.000 judeus por dia durante o Holocausto — foram mais de 1 milhão só em Auschwitz ao longo da Segunda Guerra.
Gritos agonizantes, berros de desespero, tiros, gemidos e uma constante fumaça proveniente das câmaras de gás se confundem com as brincadeiras das crianças, soldadinhos de chumbo, banhos no lago, camas confortáveis, histórias para dormir.
Mas o que mais impressiona não é nem Höss. É a mulher. Ela não é de forma alguma alheia ao que ocorre ali. Ameaça inclusive uma empregada, mantida em regime de escravidão, dando a entender que o marido poderia fazê-la “virar fumaça”. Hedwig é plenamente indiferente. Ama morar ali e se orgulha da casa que mandou construir.
Mas talvez seja uma frase dele que marque bem o que o filme representa. Olhando para um baile, entre oficiais nazistas, ele comenta: “Seria um pouco mais difícil matar todos aqui pela altura do pé direito do salão”.
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