Em uma noite sufocante de julho, o barulho de milhares de computadores minerando bitcoins tomava a noite. Ali perto, Matt Brown, membro da Assembleia Legislativa do Arkansas, monitorava o barulho ao lado de um magistrado local. Brown contou que, enquanto os dois investigavam reclamações sobre a operação, um segurança da mina carregou cartuchos em um rifle estilo AR-15 que estava guardado em um carro. “Ele queria ter certeza de que sabíamos que ele estava armado e que a arma estava carregada”, afirmou o republicano Brown em entrevista.
A empresa de bitcoins, 45 minutos ao norte de Little Rock, é um dos três locais no Arkansas de propriedade de uma rede de empresas envolvidas em disputas tensas com os moradores, que dizem que o barulho gerado pelos computadores, que fazem trilhões de cálculos por segundo, arruína vidas, desvaloriza as propriedades e afasta a vida selvagem.
Nos últimos anos, surgiram dezenas de operações semelhantes nos Estados Unidos. Quando um computador de mineração encontra números que o algoritmo do bitcoin aceita, o pagamento atualmente vale cerca de US$ 250 mil. Quanto mais computadores uma operação possuir, maior a chance de receber o pagamento.
O setor é criticado com frequência por seu alto consumo de energia – o que muitas vezes beneficia a indústria de combustíveis fósseis – e o barulho é uma reclamação comum. Embora algumas autoridades eleitas, como Brown, e outros operadores de bitcoins no Arkansas tenham manifestado apoio aos moradores aflitos, uma nova lei estadual deu às empresas uma vantagem significativa.
A Lei dos Centros de Dados do Arkansas, popularmente conhecida como Lei do Direito à Mineração, oferece aos mineradores de bitcoins proteções legais contra comunidades que podem se opor a que eles operem nas imediações. Aprovada apenas oito dias depois de ser apresentada, foi escrita em parte pelo Fundo de Ação Satoshi, grupo de defesa sem fins lucrativos sediado no Mississippi, cujo cofundador trabalhou na administração Trump revertendo políticas climáticas da era Obama.
“O estado do Arkansas conseguiu uma vitória surpreendente e se tornou o primeiro do país a aprovar o projeto de lei ‘Direito de Minerar’ #Bitcoin tanto na Câmara quanto no Senado”, postou nas redes sociais Dennis Porter, CEO do fundo, quando a lei foi aprovada em abril passado.
Um projeto de lei semelhante foi aprovado em Montana em maio passado, e o grupo declarou que espera implantar a fórmula de sucesso em mais de uma dúzia de outros estados. Em vários, incluindo Indiana, Missouri, Nebraska e Virgínia, projetos de lei escritos em colaboração com o grupo foram apresentados no mês passado.
Fundado há cinco anos como Fundo Energy 45, o grupo procurou promover a agenda energética e ambiental de Donald Trump e “defender o maior presidente da história moderna”. Sua fundadora, Mandy Gunasekara, passara os dois anos anteriores na Agência de Proteção Ambiental, na qual desempenhou um papel fundamental na decisão de retirar os Estados Unidos do acordo climático de Paris e ajudou a revogar o Plano de Energia Limpa, que visava reduzir as emissões das usinas de energia a carvão.
O grupo é amplamente aclamado pela comunidade bitcoin, tanto pelo trabalho legislativo quanto pela postura combativa em relação aos críticos do setor. Mas a abordagem agressiva do fundo tem irritado outros membros da comunidade que dizem preferir construir um consenso em torno das operações de criptomoedas.
A disputa no Arkansas reflete divergências em todo o país, à medida que a mineração de bitcoins cresce de maneira exponencial. Preocupados com o consumo de eletricidade e a poluição da indústria, ativistas ambientais têm pedido regulamentação federal, enquanto os defensores das operações afirmam que as minas frequentemente ajudam a estabilizar redes elétricas vulneráveis e geram empregos nas áreas rurais.
Indo além das reclamações iniciais de barulho, as preocupações com as minas no Arkansas passaram a incluir sua conexão com cidadãos da China. As operações estão ligadas a um aumento de proprietários chineses nos Estados Unidos, conforme relatou o “The New York Times” em outubro, parte dos quais está sob escrutínio de segurança nacional.
De acordo com registros públicos obtidos por moradores contrários às operações, uma rede de empresas de fachada conecta os operadores do Arkansas a um negócio multibilionário que é em parte propriedade do governo chinês. Em novembro, o escritório do procurador-geral do Arkansas começou a investigar se eles violaram uma lei estadual que proíbe empresas controladas por cidadãos chineses de possuir terras.
Um advogado que representa as operações afirmou que um contratante de segurança independente foi responsável pelo incidente perto de Greenbrier e que a empresa nunca autorizou nenhum guarda a “brandir uma arma”, acrescentando que a investigação do procurador-geral foi baseada em um “mal-entendido” e que a companhia tem permissão legal para conduzir tais negócios.
Apesar dos esforços para obter apoio bipartidário, o fundo Satoshi tem tido sucesso principalmente nos estados republicanos. Mas, no Arkansas, onde o Legislativo estadual é dominado pelos republicanos, foram os conservadores que lideraram os pedidos de revogação da lei, incluindo o senador Bryan King, criador de aves cujo distrito inclui uma propriedade adquirida por uma das empresas ligadas ao governo chinês. Ele argumentou que não era justo os operadores de bitcoins receberem proteções especiais sob a lei, que os isenta de “regulamentações e impostos discriminatórios específicos da indústria”, incluindo regulamentos de ruído e restrições de zoneamento. “Eles estão em uma classe protegida mais do que qualquer outra.”
Como as restrições introduzidas no Congresso não ganharam força, estados e cidades têm entrado em ação para preencher esse vazio. Mas, como o Arkansas demonstrou, resultados insatisfatórios podem fazer com que os moradores se sintam traídos.
“Inferno” é como Gladys Anderson descreve a vida desde que a operação de bitcoins perto de Greenbrier foi aberta em maio passado, a menos de cem metros de sua casa. Ela contou que os computadores têm funcionado praticamente 24 horas por dia, e, como exigem resfriamento constante por meio de ventiladores barulhentos, o ruído é tão intenso que seu filho, que requer cuidado em tempo integral em razão do autismo, não sai mais de casa. Além disso, ficou mais agitado e agressivo. “A razão pela qual nos mudamos para cá foi para ficar longe das pessoas e do barulho. É exaustivo mental, emocional e fisicamente.”
Em julho, ela e quase duas dezenas de vizinhos entraram com uma ação contra a proprietária, a NewRays, culpando a operação por vários problemas de saúde, incluindo pressão alta, ansiedade, dificuldade para dormir e mudanças de humor. A ação também sugere que a mina desvalorizou as propriedades. “Quem gostaria de comprar uma propriedade perto de um local barulhento? Ninguém”, escreveu uma das moradoras, Rebecca Edwards, em depoimento.
Os advogados que representam a NewRays querem que o caso seja arquivado, e para isso citam, entre outros argumentos, a Lei do Direito à Mineração. Recentemente, o mesmo juiz que supervisiona o processo decidiu em outro caso que uma lei local que restringia o ruído em uma operação relacionada provavelmente seria discriminatória, violando a legislação estadual. Um dos advogados da NewRays contestou as alegações feitas por Anderson e outros moradores, dizendo ao “Times” que a empresa aguarda ansiosamente para se defender no tribunal. Quanto ao processo na operação relacionada, da qual a NewRays é parceira, o advogado afirmou que a mina é um “vizinho responsável” e espera encontrar outras maneiras “de retribuir à comunidade”.
Depois da assinatura da lei pela governadora Sarah Huckabee Sanders em abril, 49 dos 76 condados do estado promulgaram decretos limitando os níveis de ruído em centros de dados, incluindo operações de mineração de criptomoedas, antes que a lei entrasse em vigor em agosto, segundo a Associação dos Condados do Arkansas. A legalidade dessas portarias e a incapacidade dos governos locais de regular a indústria agora são centrais na luta entre os moradores e os operadores de bitcoins, com algumas autoridades eleitas que votaram a favor da lei estadual agora se opondo a ela.
“Não houve uma explicação sobre a natureza dessas minas de criptomoedas e como elas podem causar um ruído insuportável, sem consideração pelos vizinhos nem pela vida selvagem”, escreveu em um e-mail o deputado Jeremiah Moore, republicano cujo distrito inclui uma operação de bitcoins, acrescentando que o projeto de lei de mineração foi promovido de maneira desonesta para proteger uma indústria que criaria empregos e beneficiaria as comunidades vizinhas. Recentemente, ele se juntou a vários outros legisladores para elaborar uma proposta de proibição estadual da mineração de criptomoedas em nível industrial.
O senador Joshua Bryant, republicano copatrocinador da legislação pró-mineração, declarou em entrevista que a lei visa proteger os direitos de propriedade dos mineradores de bitcoins e que acredita que grande parte da resistência é resultado de um sentimento antichinês equivocado.
Bryant disse que está explorando a possibilidade de uma lei sobre o ruído em todo o estado “para lidar com possíveis danos à saúde e à segurança dos cidadãos do estado” e que, “em última análise, temos de continuar descobrindo como conviver com nossos vizinhos”. O principal patrocinador da lei, o deputado Rick McClure, também republicano, não respondeu aos pedidos de comentário do “Times”.
Uma das principais apoiadoras da legislação foi a Cryptic Farms, empresa de mineração de bitcoins administrada por Cameron Baker, natural do Arkansas. Este afirmou que sua empresa não previu que “atores mal-intencionados” pudessem explorar a lei: “Não estava realmente em nosso radar que alguém viesse logo depois da aprovação desse projeto de lei e se apresentasse como um vilão perfeito que faz tudo errado.”
Tom Harford, executivo da Cryptic Farms que lidera o Conselho de Blockchain do Arkansas, grupo do setor, comentou que lamenta colocar os moradores numa posição “em que eles não têm recurso” e que “nenhuma lei é perfeita”.
Em Greenbrier, enquanto o processo continua, Anderson afirmou que ela e seus vizinhos têm lutado para pagar o advogado. Um evento de angariação de fundos em outubro uniu a comunidade, mas o valor arrecadado mal fez diferença em relação à dívida. Ainda assim, ela disse que, enquanto puderem pagar, vão continuar lutando contra a mina. “Não quero ser expulsa da minha casa.”
c. 2024 The New York Times Company
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