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Aposentadoria especial no INSS para segurado que trabalha exposto ao sol Enquadramento atividade especial calor ou reconhecimento de atividade especial para quem trabalha exposto ao calor foi o objeto desse artigo. Inicialmente podemos afirmar que os trabalhadores que são expostos ao calor durante a jornada de trabalho, do ponto de vista jurídico, são elegíveis a ter o reconhecimento desse período como atividade especial para fins de concessão de aposentadoria no INSS.
No decorrer desse texto vamos abordar os seguintes tópicos:
Regras gerais de reconhecimento de atividade especial
Reconhecimento de atividade especial para segurados exposto ao calor
Uso de EPI e reconhecimento da atividade especial
Limites de tolerância de exposição ao calor artificial e natural
Regras gerais de reconhecimento de atividade especial
A nossa Constituição Federal através do artigo 201, § 1º, determinou a contagem diferenciada do período de atividade especial.
Para regular a matéria de atividade especial, os artigos 57 e 58 da lei 8.213/91 estabeleceram a necessidade de contribuição e exercício em atividade considerada especial durante 15, 20 ou 25 anos.
Fundamental esclarecer que a comprovação da atividade especial até 28 de abril de 1995 era feita com o enquadramento por atividade profissional, ou seja, tinha o direito a enquadramento especial o trabalhador que exercesse determinadas atividades, como exemplos os médicos ou os dentistas, sendo que nesses casos de enquadramento por atividade profissional, existia presunção de submissão a agentes nocivos.
Entretanto, com a Lei 9.032/95, passou a ser necessária a comprovação real da exposição aos agentes nocivos, sendo indispensável a apresentação de formulários, independentemente do tipo de agente especial.
Mais adiante, a partir de janeiro de 2004, passou a se exigir como referencial para enquadramento de atividade especial o formulário denominado PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário, que nada mais é do que um documento que demonstra a histórico de trabalho do segurado, com informações de registros ambientais e de monitoramento biológico.
Deste modo, o INSS regulamentou a forma de se comprovar a atividade especial através do artigo 246 da Instrução Normativa 77, estabelecendo o seguinte:
A concessão de aposentadoria especial, uma vez cumprida a carência exigida, dependerá de caracterização da atividade exercida em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período de quinze, vinte ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme o caso, podendo ser enquadrado nesta condição:I – por categoria profissional até 28 de abril de 1995, véspera da publicação da Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995, conforme critérios disciplinados nos arts. 269 a 275 desta IN; e ouII – por exposição à agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou a associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, em qualquer época, conforme critérios disciplinados nos arts. 276 a 290 desta IN.Parágrafo único. Para fins de concessão de aposentadoria especial, além dos artigos mencionados nos incisos I e II deste artigo, deverá ser observado, também, o disposto nos arts. 258 a 268 e arts. 296 a 299.
Conforme transcrição acima, a instrução normativa nº 77 INSS/PRES disciplina que o enquadramento de atividade especial é realizada conforme a legislação vigente à época do trabalho desenvolvido, sendo que atualmente, para caracterizar o exercício de atividade sujeita a condições especiais do segurado, é necessário apresentar original ou cópia autenticada da carteira de trabalho acompanhado dos formulários PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário.
Atualmente o Decreto 3.048/99 através do Anexo IV apresenta uma lista exemplificativa com agentes nocivos e atividades, bem como, o tempo de exposição habitual necessário para obtenção do enquadramento de atividade especial.
Este breve resumo sobre o enquadramento de atividade especial serve para compreendemos que esse direito previdenciário é exclusivo para trabalhadores que exercem atividades em contato com agentes nocivos a saúde humana de forma permanente.
Evidentemente que devido a amplitude enorme de possibilidades laborais, muitas dúvidas existem sobre a real possibilidade do segurado obter o enquadramento de atividade especial.
Algumas dessas dúvidas estão relacionadas à possibilidade do trabalhador exposto ao calor durante a jornada de trabalho obter o reconhecimento dessa atividade como sendo exercido sob condições especiais para fins de aposentadoria. Nos tópicos seguintes vamos adentrar nessas dúvidas e apresentar os argumentos jurídicos para que os trabalhadores expostos ao calor possam obter o reconhecimento da atividade como especial para fins previdenciários.
Reconhecimento de atividade especial para segurados exposto ao calor
Antes de qualquer consideração é preciso deixar claro que a exposição ocupacional a temperaturas anormais dá ensejo ao enquadramento de atividade especial e consequentemente a aposentadoria especial.
Isso porque o anexo IV do Decreto nº 3.048/99, em seu item 2.0.4 dispõe que:
TEMPERATURAS ANORMAIS a) trabalhos com exposição ao calor acima dos limites de tolerância estabelecidos na NR-15, da Portaria nº 3.214/78.
O quadro acima aponta que o trabalhador exposto ao calor tem direito ao enquadramento de atividade especial desde que exceda os limites de tolerância estabelecidos na NR 15 da Portaria nº 3.214/78.
Conforme já mencionado, os limites toleráveis estão previstos na NR 15 do MTE, mais precisamente no seu anexo nº 3, que especifica os “Limites de tolerância para exposição ao calor”.
Segundo a norma administrativa, para atividades leves, com o tempo de 15 minutos de trabalho, tolera-se a temperatura máxima de 32,2 ºC, sendo considerado nocivo e consequentemente passível de enquadramento especial as atividades leves exercidas em ambientes acima de 32,2 ºC.
Os demais limites de tolerância ao calor podem ser consultados no “Quadro 1” do anexo III da NR 15, abaixo transcrita:
Observa-se que a norma pertinente ao tema estipula os limites de tolerância ao calor com base em um fracionamento entre atividades leves, moderadas e pesadas que são classificadas através do “Quadro 3” do anexo III da NR 15.
Segundo a referida norma são consideradas atividades leves aquelas pelas quais o trabalhador executa sentado com movimentos moderados com braços, tronco e pernas, como por exemplo o digitador ou motorista, bem como o trabalho leve executado em pé diante de máquina ou bancada.
Já as atividades moderadas são consideradas aquelas executadas pelo segurado sentado com movimentos vigorosos com braços e pernas ou de pé, em máquina ou bancada, com alguma movimentação e em movimento moderado de levantar ou empurrar.
Por fim, as atividades pesadas, segundo a tabela da NR 15, são aquelas provenientes de atividade de trabalho intermitente de levantar, empurrar ou arrastar pesos ou qualquer trabalho fatigante, como exemplo a remoção de material com pá ou outro instrumento.
Obviamente que a determinação do limite tolerável de calor para fins de enquadramento por atividade especial é manifestamente complexa e depende de uma análise técnica geralmente realizadas por engenheiros ou técnicos do trabalho através de laudos formulados com medição e dados científicos.
Uso de EPI e enquadramento de atividade especial calor
O uso de Equipamento de Proteção Individual não neutraliza os riscos a saúde do trabalhador. Isso ocorre porque é impossível determinar se estes EPI’s reduzem a intensidade do calor a níveis abaixo dos limites de tolerância, conforme prevê o artigo 191, item II, da CLT.
É consenso que os EPI´s, como, por exemplo, blusões e mangas, que servem para diminuir a temperatura, muitas vezes, podem até prejudicar as trocas térmicas entre o organismo e o ambiente.
Necessariamente, esses equipamentos devem ser sempre utilizados nos locais onde há risco de queimaduras, radiação infravermelha, etc.
Podemos afirmar que o uso de EPI”s não é suficiente para neutralizar os efeitos nocivos do calor e por isso a sua utilização não é capaz de impossibilitar o enquadramento de atividade especial.
O Poder Judiciário já confirmou esse entendimento sedimentado em várias decisões que firmou o seguinte parâmetro:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. USO DE EPI NÃO DESCARACTERIZA ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTE NOCIVO RUÍDO, CALOR E PÓ DE SÍLICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO. DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO NO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. – A Emenda Constitucional nº 20/98 trouxe regras de transição para os segurados já filiados ao Regime Geral de Previdência Social, a saber, idade mínima de 53 anos para homem e 48 anos para mulher e um tempo mínimo correspondente a 40% do tempo que faltava para o segurado se aposentar em 15.12.98. – A legislação aplicável em tempo laborado em condições especiais é aquela vigente noperíodo em que exercida a atividade prejudicial à saúde ou integridade física do trabalhador. – O período de trabalho exercido antes da edição da Lei nº 9.032/95 será comprovado por meio formulário próprio que atestará o período laborado, local de trabalho, os agentes insalubres ou atividade insalubre ou periculosa, ressalvado para o agente nocivo ruído, que sempre foi exigido laudo técnico pericial. – O uso de EPI não descaracteriza o tempo especial prestado, consoante Súmula nº 9 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais. – Enquadramento de atividade realizada em condições especiais. Decreto nº 53.831/64, item 1.1.1 e Decreto nº 83.080/79, item 1.2.12. – Concessão do benefício a partir do requerimento administrativo. – Preenchidos os requisitos legais, faz jus à concessão da aposentadoria por tempo de serviço, com conversão de períodos laborados em condições especiais. – Consectários de sucumbência conforme previsão legal e reiterada jurisprudência da Décima Turma deste Tribunal, nos termos do voto. – Tutela antecipada concedida, nos termos do artigo 461, § 4º e § 5º do CPC. – Apelação do autor provida. Apelação do INSS e remessa oficial parcialmente providas.(TRF-3 – APELREE: 36540 SP 2006.03.99.036540-2, Relator: JUIZ CONVOCADO OMAR CHAMON, Data de Julgamento: 21/10/2008, DÉCIMA TURMA)
Limites de tolerância de exposição ao calor artificial e natural
Outra questão essencial em relação ao enquadramento de atividade especial para trabalhadores que exercem atividade sob calor está no artigo 281 da instrução normativa 77/2015 do INSS que estabelece parâmetros e tolerância a serem considerados conforme o ano do efetivo trabalho nocivo, sendo que atualmente, após 05/03/1997, os limites de tolerância para o calor são aqueles definidos no Anexo 3 da NR-15 do Ministério do Trabalho e Emprego – TEM – devendo ser avaliado segundo as metodologias e os procedimentos adotados pela NHO 6 da FUNDACENTRO para períodos trabalhados a partir de 01/01/2004.
O artigo 281 da Instrução normativa 77/2015 afirma categoricamente que “a exposição ocupacional a temperaturas anormais, oriundas de fontes artificiais, dará ensejo à caracterização de atividade exercida em condições especiais.
Inicialmente poderíamos concluir que somente trabalhadores que exercem atividades oriundas de fontes artificiais, longe da exposição solar, teriam direito a enquadramento por atividade especial em razão do calor.
Ocorre que a Justiça, através da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) compreendeu que após Decreto 2.172/97 se tornou possível o reconhecimento das condições especiais do trabalho exercido sob exposição ao calor proveniente de fontes naturais, de forma habitual e permanente:
(…) A JURISPRUDÊNCIA DA TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS POSICIONA-SE NO SENTIDO DE QUE A EXPRESSÃO “TRABALHADORES NA AGROPECUÁRIA”, CONTIDA NO ITEM 2.2.1 DO ANEXO DO DECRETO N. 53.831/64, TAMBÉM SE APLICA AOS TRABALHADORES QUE EXERCEM ATIVIDADES EXCLUSIVAMENTE NA AGRICULTURA COMO EMPREGADOS EM EMPRESAS AGROINDUSTRIAIS E AGROCOMERCIAIS, FAZENDO JUS OS EMPREGADOS DE TAIS EMPRESAS AO CÔMPUTO DE SUAS ATIVIDADES COMO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. 2. APÓS O ADVENTO DO DECRETO Nº 2.172/97 SE TORNOU POSSÍVEL O RECONHECIMENTO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS DO LABOR EXERCIDO SOB EXPOSIÇÃO AO CALOR PROVENIENTE DE FONTES NATURAIS, DE FORMA HABITUAL E PERMANENTE, DESDE QUE COMPROVADA A SUPERAÇÃO DOS PATAMARES DE ESTABELECIDOS NO ANEXO 3 DA NR-15/MTE, CALCULADO O IBUTG DE ACORDO COM A FÓRMULA PREVISTA PARA AMBIENTES EXTERNOS COM CARGA SOLAR. 3. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.(TNU – Pedido: 05023994920154058307, Relator: FREDERICO AUGUSTO LEOPOLDINO KOEHLER, Data de Julgamento: 30/08/2017, TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, Data de Publicação: 24/07/2018)
A decisão acima transcrita coloca os trabalhadores que exercem atividade sob calor natural nas mesmas condições e com os mesmos direitos dos trabalhadores expostos ao calor por fonte artificial, ambos tem direito ao enquadramento de atividade especial desde que comprovada a superação dos patamares estabelecidos no Anexo 3 da Norma Regulamentadora 15, do Ministério do Trabalho e Emprego.
Da mesma maneira, resta necessário a comprovação de que a exposição ao calor, por fonte natural, seja habitual e permanente, a partir de 29/04/1995, de acordo com o disposto pelo artigo 57, §3º, da Lei n. 8.213/91.
Embora a previsão legal esteja relativamente direcionada para os trabalhadores urbanos, são os trabalhadores rurais que estão mais expostos ao calor natural e consequentemente, cobertos pela legislação e jurisprudência já mencionados nesse artigo.
Oportuno mencionar que antes de 1995 os trabalhadores rurais já tinham direito ao enquadramento de atividade especial por categoria profissional, tendo em vista o enquadramento das atividades agropecuárias reconhecidas através do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964.
Independente da fonte de calor ser artificial ou natural, o segurado que se expõe a esse agente nocivo, terá direito ao enquadramento de atividade especial.
Notas conclusivas
O presente artigo demonstrou que é possível o enquadramento de atividade especial para trabalhadores expostos ao calor.
Atualmente o limite de calor tolerável para fins de enquadramento de enquadramento especial está expresso no anexo III da NR 15.
A analise em relação a tolerância para o efetivo enquadramento de atividade especial é complexa e depende de vários elementos, como o tempo de exposição ao calor e o grau de dificuldade da atividade desempenhada pelo trabalhador, existindo uma escalada de leve, moderada e pesada.
Demonstramos também que independente do teor do artigo 281 da Instrução Normativa 77/2015 do INSS, os trabalhadores expostos ao calor oriundo de fonte natural também tem direito ao enquadramento de atividade especial.
Por fim, importante destacar que em relação especificamente ao calor, o uso de EPI’s não é capaz de neutralizar os efeitos nocivos à saúde humana e não excluem o direito ao enquadramento da atividade exercida sob condições especiais.
Por qualquer ângulo que analisemos a questão, o trabalhador que exerce atividades exposto ao calor deve estar atento a essa possibilidade de enquadramento de atividade especial, que poderá ser um caminho para antecipar a aposentadoria, principalmente após a Reforma da Previdência que criou inúmeros obstáculos à concessão de benefícios previdenciários.
Parceiro: SaberaLei – Gilberto VassoleAdvogado atuante na área do Direito Trabalhista e Direito Empresarial. Membro efetivo da comissão de direito do trabalho da OAB/SP, Pós Graduado em Processo Civil e Mestrando.