O tempo do Rio dos Currais já passou. Pertence à história da colonização brasileira, quando os portugueses implantaram a agroprodução da cana-de-açúcar nas terras de massapê do litoral do Nordeste e empurraram a criação de gado para o interior.
Subiram o Velho Chico e implantaram as fazendas. Terras não faltavam e os colonizadores podiam se apropriar do que bem entendessem, tudo estava ao Deus dará. Nem cercas eram necessárias.
A produção era subsidiária da grande indústria do açúcar, tocada por mão de obra escrava, voltada para o mercado externo e em grandes propriedades. A criação de gado era o setor atrasado da economia colonial, ainda que necessária para o desenvolvimento da Colônia.
Tudo isso pertence ao passado e não se pode comparar o modo de produção da Colônia com as novas unidades produtoras de gado do capitalismo contemporâneo. São realidades diversas, ainda que sucessoras.
O setor da pecuária do agronegócio se espalha por 200 milhões de hectares, onde vivem aproximadamente 240 milhões de cabeças de gado bovino. As fazendas se modernizaram, implantaram sistemas de gestão corporativa, intensificaram as comunicações, e se globalizaram.
Estão aptas para atender aos mercados interno e externo, ainda que com alguma dificuldade por causa de questões sanitárias, como a aftosa, que vez ou outra derruba a venda de carnes. Pelo menos 80% da produção bovina é exportada in natura, sem valor agregado, o que rende uns US$ 5 bilhões por ano.
Milhões de hectares, milhões de cabeças, alta concentração de renda no campo, e o resultado é menor do que a Embraer, que com apenas 12 mil empregados fatura US$ 6 bilhões em vendas.
É claro que o que vem da venda da carne não é desprezível, mas poderia valer muito mais se a carne fosse industrializada aqui. Essa situação se parece muito com a do café, também exportado in natura.
Em uma economia altamente competitiva como a que se vive neste momento, de um capitalismo da sustentabilidade, valeria a pena um plano estratégico capitaneado pelo Estado para, aos poucos, agregar valor aos produtos exportados in natura.
Não de trata de rotular as exportações brasileiras como na época da cana-de-açúcar colonial, ou seja, o agrário exportador, como tão bem definiu o mestre Caio Prado Júnior.
Vale a lição da história que depender de alguns produtos exportáveis, como o café nos séculos XIX e XX, é muito arriscado. Em tempos de crise as exportações caem, e quanto mais diversificadas forem, menor será o impacto.
É verdade que os preços das commodities exportáveis têm aumentado, mas crise é crise, como dizia o célebre economista Vicente Matheus. E essa crise não está apenas nas estruturas econômicas, mas também nas políticas. Veja o que se passa no mundo árabe. Turbulência política também derruba exportação.
Logicamente, todos os setores da economia são importantes para o Brasil, porque somam valor na balança comercial, que vai bem, com superavit. E se não vender no exterior o preço cai no supermercado da esquina e vai ter mais churrasco no final de semana nas lajes das famílias mais pobres das periferias das nossas cidades.
A quantidade de terra e água para gerar as divisas advindas da exportação de carne são imensas, mesmo em um país gigante como o nosso.
Com mais tecnologia e investimentos seria possível, aos poucos, substituir a velha criação extensiva em intensiva e sobrar muito mais terras para outras culturas. Sem a necessidade de violar o Código Florestal, atacado frontalmente por setores do agrobusiness tementes do debate sobre a apropriação de terras públicas e punições por terem devastado de forma insana imensas regiões do país.
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