Subrepresentadas nos parlamentos e nas posições de poder do País, as mulheres buscam fora das instituições o protagonismo na discussão política brasileira. Enquanto o acesso aos corredores dos palácios e plenários é cerceado por uma estrutura majoritariamente masculina, as redes sociais são plataformas onde elas conseguiram conquistar seu espaço. Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que as mulheres são as mais interessadas pelo tema no ambiente digital: são 50,4% contra 49,6% dos homens.
O retrato da mulher no ambiente político nacional ainda é de busca por mais representatividade nos espaços de poder. As mulheres são 51,1% da população brasileira, mas, na política, os números não refletem essa maioria. Nas últimas eleições, o País consolidou um número recorde de mulheres no Senado, somando 15 parlamentares, mas ainda longe da metade do total de 81 cadeiras. Na Câmara, as deputadas representam apenas 18% das 513 vagas, mesmo com o aumento de 41% nas candidaturas nas eleições de 2018 para 2022.
Segundo Luciana Veiga, professora da FGV ECMI, a percepção de que as mulheres não gostam de política é associada a uma dificuldade de inserção no ambiente institucional. A partir do momento que a discussão é feita em um ambiente público,no entanto, as mulheres assumem o protagonismo.
“A literatura mostra uma dificuldade da inserção da mulher da política. Alguns mencionam que é um ambiente de conflito e que haveria uma ‘dificuldade’ da natureza da mulher, que tenderia ao apaziguamento. Existe outra discussão teórica sobre as questões institucionais. As instituições não promovem a participação das mulheres e conservam um ambiente masculino. E uma terceira perspectiva que fala um pouco da socialização das mulheres, porque relegam as mulheres ao espaço privado, às tarefas domésticas e aos familiares”, explica.
O levantamento da FGV aponta possíveis causas para o afastamento da mulher dos espaços políticos, conforme análises dos estudiosos da instituição. “As redes sociais possibilitaram a expansão do espaço privado para o espaço público das mulheres. Sem se ausentar da casa, local da tarefa doméstica e da socialização das crianças, são capazes de participar de debate público”, conclui.
A pesquisa “Consumo de Mídias Digitais no Brasil”, realizada pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV, em parceria com a Atlas Intel, faz parte do projeto Democracia Digital, apoiado pela Embaixada da Alemanha no Brasil. O levantamento fez um mapeamento do consumo de informação dos brasileiros, com acesso à internet, em 13 mídias digitais diferentes.
Cotas para mulheres?
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já definiu que os partidos devem reservar ao menos 30% das vagas de candidaturas para mulheres, com a mesma porcentagem no acesso ao fundo eleitoral e ao tempo de propaganda. Dados registrados no tribunal após a eleição de 2022 apontam que todos os partidos que disputaram o pleito cumpriram o mínimo da cota prevista por lei, mas isso ainda fica longe da proporção do eleitorado brasileiro, que é de maioria feminina (53%).
O tema, no entanto, não é uma unanimidade entre as políticas. A deputada federal Erika Kokay (PT-DF) diz que a subrepresentação feminina no Congresso atende a “uma lógica sexista de construção de gênero que busca impor às mulheres a exclusividade nos espaços domésticos”. A parlamentar defende uma mudança do sistema eleitoral para ampliar as cotas destinadas a elas também para o número de cadeiras no Congresso.
“Defendemos que haja não apenas cotas nas nominatas, mas também cotas nas cadeiras. Continuamos perseguindo a necessidade de que haja uma reforma no sistema eleitoral que assegure a obrigatoriedade de uma cota mínima de mulheres nas cadeiras no Poder Legislativo”, afirma.
Já a deputada Júlia Zanatta (PL-SC), que integra a Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres na Câmara, é contrária à ideia. De acordo com a parlamentar, as redes sociais ampliaram o acesso das mulheres à política e à vida dos políticos, o que, segundo ela, incentiva uma maior demanda feminina pelo tema. Júlia avalia, no entanto, que a atual lei de cotas impõe aos partidos uma reserva de vagas que ainda não corresponde ao real interesse delas pela política institucional.
“Eu particularmente sou contra a reserva de vagas de cotas. As mulheres com que eu converso acreditam que a participação feminina deve ser ampliada por meio do estímulo à participação. As mulheres não devem apenas preencher uma cota. Infelizmente muitos partidos estão usando as mulheres para preencher cota e isso eu não admito. É deturpar o objetivo”, diz.
A pesquisa identificou ainda um predomínio das mulheres no consumo por informações sobre educação (53% x 47%), sendo o principal público diário do assunto na rede social Instagram. Já o acesso a conteu´dos relacionado a economia – que, junto com educação e política, é um dos três temas mais acessados pelos brasileiros – e´ feito majoritariamente por homens (59% a 41%).
Equilíbrio entre direita e esquerda
As eleições mais recentes expuseram a polarização entre os candidatos de direita e de esquerda e a pesquisa da FGV retrata um equilíbrio da população quanto ao interesse pelos grupos ideológicos nas redes sociais. A audiência sobre o tema esta´ equilibrada entre os segmentos. Direita tem 29%, e centro direita 5%, com um total de 34% alinhados a esse campo ideológico. Do outro lado, a esquerda está com 25% e centro esquerda, com 10%, o que totaliza 35% nesse segmento. Apenas 6% se apresentam como integralmente de centro e 24% disseram que não têm ideologia ou não sabem dizer.
Nocividade da desinformação
A pesquisa também analisou como os participantes veem a disseminação de fake news. Entre as pessoas que acessam conteúdos de política nas redes sociais, 57% dizem acreditar que a nocividade da desinformação é “muito grave” para a democracia, outras 11% dizem que é “grave”. Ja´ 29% dos entrevistados relativizam a nocividade da desinformação, definindo-a como “não tão grave” (12%) e “não é uma ameaça” (17%).
De acordo com o diretor da FGV ECMI, Marco Ruediger, o número de usuários que não veem a desinformação como um problema grave tem a ver com a identificação deles com o grupo em que estão inseridos. “Esses números mostram que aproximadamente um em cada três usuários que acessam a política na internet não veem gravidade significativa na desinformação. É esperado que muitos compartilhem a desinformação para que possam pertencer a um grupo. A reprodução de um conteúdo que fortalece uma opinião própria, ainda que comprovadamente falso, não é visto como tão nocivo para a democracia”, reforça Ruediger.
O estudo da FGV foi iniciado em agosto do ano passado e divulgado neste mês. Ele envolveu 1.722 pessoas e mapeou o perfil de consumo das 13 principais mídias digitais. “O Brasil é o terceiro país que mais consome redes sociais no mundo. Não é possível compreender a sociedade sem conhecer o que é debatido, compartilhado e consumido no ambiente digital. Nos últimos anos, por exemplo, observamos um aumento significativo na propagação de conteúdos desinformativos. Foram fake news que impactaram praticamente todos os processos políticos e sociais no País e, com a proximidade das eleições municipais no ano que vem, esse cenário pode se intensificar ainda mais”, avalia o diretor.