A divulgação dos resultados e indicadores do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) dá luz às diferenças tanto de acesso quanto de desempenho entre estudantes de escolas públicas e privadas. Das 60 notas máximas na redação, apenas 4 (pouco mais de 6%) foram feitas por alunos da rede pública. Em relação à participação, quase metade dos alunos de 3º ano (49,2%) não realizou a prova, mas o número é ainda maior no recorte das escolas públicas, onde 53,3% dos matriculados na rede não participaram. Especialistas ouvidos pelo R7 destacam as discrepâncias e a necessidade de priorização de políticas públicas que promovam equidade educacional.
Os dados traduzem que é preciso melhorar a educação ofertada aos estudantes da rede pública, avalia a professora Catarina de Almeida Santos, integrante do Comitê pelo Direito à Educação. “Isso significa melhorar as condições de vida dos estudantes para eles poderem se dedicar ao estudo, melhorar a infraestrutura das escolas, mudar o nosso Ensino Médio.”
Segundo a especialista, o atual modelo traz prejuízos aos estudantes das escolas públicas que precisam, neste momento, de qualidade na formação geral básica antes de imersarem em um itinerário focado em conhecimento científico. “Se nós não melhorarmos o processo, ou seja, garantir condições de ensino e aprendizagem para esses estudantes, os resultados vão continuar ruins”, completa Santos.
O relatório de aprendizagem mais recente elaborado pelo Todos Pela Educação, organização da sociedade civil focada em melhorar a Educação Básica no Brasil, revela as desigualdades entre estudantes do último ano do ensino básico de escolas públicas e privadas. Enquanto 74,6% dos alunos da rede privada tinham nível de aprendizado considerado adequado em Língua Portuguesa, na rede pública o índice cai para 31%. Em Matemática, a diferença é de 41,3% para 5,2%, respectivamente.
Coordenador de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, Ivan Gontijo avalia que as diferenças de resultados no Enem aparecem em várias outras avaliações, não em razão das provas em si, mas da forma que o sistema está estruturado. “A desigualdade começa lá atrás, com problemas de acesso à educação infantil, e vai se reproduzindo ao longo do sistema educacional. É preciso realizar um combate ativo, priorizar uma agenda muito forte de equidade educacional, ou seja, dar de acordo com necessidade de cada grupo. Quando se fala dessa agenda, ela é sistêmica”, aponta Gontijo.
Em relação à diferença de participação do Enem, Gontijo chama atenção para as variações entre estados. Os números do Enem 2023 sugerem que há um problema de mobilização, uma vez que há estados com altos índices de participação e outros com adesões baixas. O Ceará, por exemplo, lidera o ranking positivo, com mais de 80% dos concluintes do ensino médio realizando o Enem em 2023. Na outra ponta está Roraima, onde o percentual de estudantes que fizeram o exame foi de 31,5%.
“Em termo de políticas públicas, a mobilização dos estudantes para fazer o Enem é importante e algumas secretarias de educação ainda negligenciam”, pontua Gontijo. Ele exemplifica que no Ceará há uma política pública forte nesse sentido, com realização de mutirão, aulão específico para a prova, explicação da gratuidade, garantia de passe livre ou apoio para o estudante conseguir chegar aos locais de prova. “Os alunos da rede pública tem total capacidade de participar. Mas precisa haver políticas públicas específicas para isso. Nesse sentido de participação, ter uma política pública federal para aumentar essas taxas é fundamental”, completa.
O professor e pesquisador Francisco Thiago Silva elenca que para vencer a desigualdade entre instituições públicas e privadas, é preciso cumprir percentuais de investimento para a educação pública, garantir piso salarial do magistério em todos os estados, além de consolidar que a rede federal, estadual e municipal de ensino se una em prol de garantir que as estruturas físicas e tecnológicas das escolas públicas possam consolidar condições dignas de funcionamento.
“Historicamente o nosso país não tem a Educação como pauta prioritária em sua agenda política e ainda que tenhamos tido tímidos avanços nas duas últimas décadas mais recentes na área, ainda enfrentamos sérios problemas”, destaca Silva.
Diante dos resultados, o ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou a realização de uma pesquisa com todos os inscritos para entender o motivo de desistências. “É preciso identificar qual a razão do jovem que concluiu o ensino médio não realizar o Enem. Saber o motivo em cada rede, em cada estado, e dialogar”, afirmou Santana, que avalia ser preocupante o alto percentual.
O ministro frisou que o Enem é a entrada democrática ao ensino superior e que, para elevar o número de participantes, também é necessário o alinhamento com os gestores locais. “Estamos articulando com as redes estaduais a partir desse resultado para que a gente possa mudar e reverter esses números.”
Os resultados dessa pesquisa devem sair até o fim de março. O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Manuel Palacios, pontuou que é preciso estabelecer uma abordagem para “convencer que a educação superior está ao alcance dos jovens” por meio do Enem. “O MEC pode agir no sentido de fazer que todos se aproximem das maiores marcas. Acredito que é uma questão de mobilização e convencimento e que teremos êxito para melhorar esses números”, disse Palacios.
Para além da pesquisa, o ministro da Educação anunciou que os concluintes do ensino médio terão um incentivo extra no escopo da “poupança estudantil”, cujos depósitos devem começar a ser realizados em março. A ideia é dar um retorno financeiro aos beneficiários do programa que se inscreverem no Enem. A verba extra valerá somente para os alunos do 3º ano.