Pelo menos três projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional pedem para revogar o trecho da Lei de Contravenções Penais, de 1941, que trata da punição da vadiagem. O artigo 59 diz que quem vive sem trabalhar e não tem dinheiro para se sustentar pode ser preso por até três meses. Para especialistas e parlamentares, a regra é ultrapassada e penaliza a pobreza.
Um dos projetos de lei é de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), com relatoria da senadora Augusta Brito (PT-CE). Além de alterar o trecho, o relatório da proposta também sugere remover a ideia de que quem é condenado por vadiagem ou mendicância é perigoso.
Na justificativa do projeto, Contarato afirma que o trecho da Lei de Contravenções Penais criminaliza a desigualdade social e o desemprego, e, apesar de a regra ser pouco utilizada atualmente, ainda “existem autoridades policiais, especialmente, em cidades pequenas, que fazem uso desse expediente para constranger e prender pessoas em situação de precariedade social”.
A proposta foi aprovada pela Comissão de Segurança Pública do Senado no ano passado, mas ainda aguarda a aprovação dos senadores da Comissão de Constituição e Justiça antes de ser encaminhada ao plenário. O projeto está atualmente aguardando a designação de um relator na comissão. Caso seja aprovado no Senado, a proposta seguirá para a Câmara dos Deputados.
A vadiagem chegou a figurar como crime no Código Criminal de 1830, na época do Brasil Império, e no Código Penal de 1890, já no período da República. A infração passou a ser uma contravenção penal (um crime de menor grau ofensivo) em 1941, durante o período do Estado Novo de Getúlio Vargas.
Nessa época, outras condutas também eram consideradas contravenções, como a adivinhação, a interpretação de sonhos e a mendicância. No entanto, legislações mais recentes revogaram a criminalização dessas práticas.
De acordo com o especialista em direito e processo penal e mestre em direito das relações sociais Leonardo Pantaleão, a criminalização da vadiagem começou durante a Revolução Industrial, no século 18, na Inglaterra, especialmente, relacionada à indústria têxtil emergente.
“A tipificação penal da vadiagem remonta a uma época em que prevalecia o chamado Direito Penal do Autor, ou seja, punia-se a pessoa pelo que ela era, não pelo que ela fazia”, afirma.
Ele detalha que, na época, os camponeses foram os primeiros e principais acusados por vadiagem, porque, com o advento da indústria, muitos camponeses foram expulsos do campo. Ao mesmo tempo, as leis penais os obrigavam a trabalhar na indústria urbana, resultando em uma migração forçada para o trabalho nas cidades.
Sem a proteção de leis trabalhistas, aqueles que se recusavam eram acusados de vagabundagem e punidos até mesmo com castigos físicos, como açoitamento, marcação a ferro quente e, em casos extremos, execução.
Pantaleão argumenta a favor da revogação da contravenção penal, pois a prática da vadiagem não causa desequilíbrio na sociedade e resulta em punições seletivas.
Na mesma linha, o advogado Acácio Miranda, especialista em direito penal e constitucional, diz que a vadiagem é uma “construção histórica preconceituosa”.
“É problemático pensar que a contravenção foi criada durante a Ditadura Militar e que os afetados pela lei são geralmente pessoas de certas classes sociais e em desvantagem social”, argumenta.
Para o advogado criminalista Rafael Paiva, faz sentido que a contravenção seja revogada. “A contravenção da vadiagem ainda está prevista, mas há muitos anos não é aplicada.”
Essa não é a primeira vez que o assunto é discutido no Congresso. O tema já foi debatido em 2010 e 2012, quando a Câmara dos Deputados aprovou duas propostas para modernizar a legislação. No entanto, essas propostas ficaram travadas no Senado e acabaram arquivadas em 2019.
Em 2021, o deputado Glauber Braga (Psol-RJ) propôs um projeto de lei para revogar o trecho referente à vadiagem na Lei das Contravenções Penais. Em 2023, a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) também apresentou uma proposta semelhante.