Começou. Estreia neste sábado (16) em Belo Horizonte a apresentação da banda sueca Crazy Lixx, um dos principais nomes da cena glam rock que vem se popularizando por toda a Europa desde os meados dos anos 2000.
Logo depois da capital mineira, “os Crazys” também passarão por São Paulo no domingo (17). Esta é a segunda vez que os suecos vêm para o Brasil. Foram mais de dez anos de espera, desde a apresentação única feita em agosto de 2012, no Manifesto Bar, na capital paulista.
Ano passado a banda Hardcore Superstars, também da Suécia, já tinha se apresentado em turnê pelo Brasil.
Conhecido como New Wave of Swedish Sleaze, ou The New Wave of Scandanavian Hair Metal, desde os meados de 2000, o continente europeu é afogado por essa gigantesca onda sonora, adormecida, inspirada nos anos 80.
De acordo com a mídia especializada, Crazy Lixx é conhecido por sua apresentação energética ao vivo, “repleto de impressionantes solos de guitarra, ganchos memoráveis e refrões cativantes, grandes baterias e riffs definidores”, descreve o site uruguaio Elo Metal.
Já o portal italiano Frontiers destaca a inclusão da faixa Wild Child no filme de terror de Nicolas Cage, Willy’s Wonderland (2021). “Com visualizações impressionantes, na casa de milhões, no YouTube e em streamings, Crazy Lixx está avançando inabalavelmente em sua busca pelo domínio global”, afirma o site europeu. O portal destaca as canções Hunter of the Heart, Blame It On Love, Hell Raising Women e XIII.
Em Belo Horizonte, o show acontece no Mister Rock (Av. Teresa Cristina, 295 – Prado), a partir das 22h. Na mesma noite tocarão Shotgun (Osasco-SP), Devil Dust (Belo Horizonte-MG) e Sixty Nine Crash (Rio de Janeiro-RJ), com a participação especial de Stevie Rachelle, da banda norte-americana Duff.
Já em São Paulo, as apresentações são no Carioca Club (Rua Cardeal Arcoverde, 2899 – Pinheiros), onde também tocarão Goaten (Porto Alegre – RS) e Pretty Boy Floyd (California, EUA), junto com os “Crazys” e Stevie Rachelle.
De volta para os anos 80
Jaquetas de couro, metal bronzeado e cabelos. Muito cabelo. Se seu Delorean (carro do filme De Volta Para o Futuro) quebrou, não precisa romper a barreira do espaço-tempo (haja Einstein) para ir de volta para o passado (sic), direto aos anos 80.
O glam rock, ou também conhecido como glamour rock e glitter rock, surgiu no começo da década de 70 na Inglaterra como uma provocação à estética hippie, segundo a jornalista e doutora em história Patrícia Marcondes de Barros.
“Através da revolução sexual proposta pela contracultura, com o movimento hippie nos anos 60, surge posteriormente o glam rock. Um movimento internacionalista, de cunho juvenil e característico da sociedade de consumo, uma moda provocativa caracterizada pela androginia através do deboche, da liberdade de se escolher ser (e vestir) desafiando as estruturas conservadoras sedimentadas da sociedade ditatorial brasileira”, descreve a jornalista em sua pesquisa.
Já o doutor em comunicação e semiótica Silvio Anaz, autor do livro O Que É o Rock (2013), contextualiza o cenário inglês de onde surgiu o glam rock. Para ele, o divertimento teatral no aspecto performático do glam é uma reação a evolução do rock ao longo de décadas passadas, como o movimento hippie e o rock progressivo.
“Em mais uma reação à simplicidade e aos temas pastorais do rock hippie, e à seriedade do rock progressivo, surgiu um estilo que buscava ser glamoroso, divertido e teatral. O glam rock trouxe cor, deboche e desempenhos cênicos para os palcos. Dançante, andrógino e extravagante, o glam nasceu com o trabalho de Gary Glitter, David Bowie, TRex e Roxy Music, na Grã-Bretanha, e do Kiss e do New York Dolls, nos Estados Unidos”, escreve Silvio Anaz em seu livro, conforme a pesquisa de Patrícia Marcondes.
Cris Nominato é guitarrista de várias bandas em Belo Horizonte, incluindo a Foxie. Ela se identifica com a energia e intensidade do glam rock no seu dia a dia, na forma de agir e se vestir.
“O glam, além de trilha sonora do meu dia a dia, se faz presente na estética, estilo de pessoa e estilo de vida. De todos os gêneros do rock, o considero o mais energético e animado. É um estilo bem ‘alegre’ em comparação a outros, mas, ainda assim, com uma certa dose de peso. Considero esse contraste algo bem interessante porque provoca uma necessidade de movimento. Quando você curte o estilo é impossível ficar parado, a música te contagia”, descreve Cris Nominato.
Para a guitarrista, o “retorno” aos anos 80, época do auge do glam, é como um “sopro de ar fresco vindo do passado”.
“Na minha visão a juventude tem se tornado muito reclusa e ‘quadrada’ nos últimos tempos e isso me provoca uma certa inquietação. Os anos 80, apesar de todas as dificuldades e limitações próprias, do contexto sociopolítico da época, carregam esse ar de rebeldia e intensidade, que levam as pessoas a viverem experiência divertidas e genuínas. Passa uma impressão de ser uma época onde as pessoas e as coisas eram mais simples, se precisava de menos coisas para se divertir e curtir o momento. Eu particularmente amo aquela energia caótica”, conclui Nominato.
O auge, a queda
Nos anos 80 o glam rock viveu o auge com a explosão de bandas como Guns N’ Roses, Mötley Crüe e Twisted Sister. A cultura glam ia muito além da música, presente também no cinema e na moda. Incrível como tudo mudou com a virada da década.
Muitos atribuem ao Nirvana e ao movimento grunge dos anos 90 como o que sacramentou o fim do glam rock. O grunge foi um fenômeno, considerado como uma das grandes eras do rock, como dito no documentário Seven Ages of Rock (2001), da BBC, e no livro Almanaque do Rock (2008), escrito pelo cantor brasileiro Kid Vinil.
Mas a culpabilidade ao grunge não é compartilhada pelo vocalista do Twisted Sister, Dee Snider. Para o portal americano Ultimate Guitar, em 2020, conforme noticiou na época o jornalista Igor Miranda, Dee Snider atribui ao próprio glam rock o fim do movimento.
“É horrível dizer que o grunge fez qualquer coisa com o hair metal. O próprio hair metal fez isso com ele mesmo. Ficou comercial demais, passaram a usar violões. Tornou-se nada além de baladas e canções acústicas. Não era mais metal. Aquilo tinha que acabar, tinha que mudar”, disse Dee Snider para a plataforma, conforme a tradução de Igor Miranda.
New Wave of Swedish Sleaze
A fantástica fábrica de músicos suecos é fruto de um país escandinavo com a população menor do que a da cidade de São Paulo, mas que através de políticas culturais, dentro de acordo com sua mentalidade de bem-estar social, atinge relevância global através da música, e seus músicos.
No terceiro episódio do documentário This Is Pop (2021), da Netflix, intitulado Influência Sueca, é possível o compreender o porquê do sucesso dos músicos suecos na indústria fonográfica, desde com bandas como Abba, Roxette e Europe, mas na produção dos maiores nomes da música pop. Dos anos 90 até hoje, a lista se estende de Backstreet Boys, Britney Spears e Celine Dion para, nos dias atuais, Dami Lovato, Taylor Swift e Justin Timberlake.
A jornalista e DJ Claudia Assef, em um texto publicado em 2021 intitulado De ABBA a Britney. Entenda como a Suécia se tornou a maior produtora de hits do pop mundial, descreve várias políticas públicas culturais do governo sueco focado no bem estar social. Uma delas, no acesso ao ensino musical gratuito.
“Talvez uma das pedras fundamentais para o sucesso dos suecos nos hits pop sejam as escolas municipais de música e artes, que, embora não sejam obrigatórias, foram muito populares na Suécia durante as décadas de 1970 e 1980, e ainda são. O acesso a instrumentos e aulas é oferecido por escolas de música administradas por vários municípios. Então muitas crianças experimentam diferentes tipos de instrumentos antes de finalmente descobrir em quais são naturalmente boas”, escreveu a jornalista para o site Music Non Stop.
Leonardo Bridges é produtor cultural e também trabalha em Belo Horizonte com excursões para shows. Ele já foi para a Suécia cinco vezes, sempre para ir no Sweden Rock Festival, considerado um dos maiores festivais de metal do mundo.
“Muitas bandas do país tocam no festival. Lá vi o Sabaton (banda de power metal sueco) tocando para um público de 35 mil pessoas. A impressão que me passa é que a Suécia investe muito na cultura do país. Em 2015 fui ao museu do Abba, e lá você acha discos de um monte de bandas de death metal. A impressão é que eles valorizam muito as bandas de lá”, descreve Leonardo.
Lídio Rabello é produtor de eventos e está trazendo o Crazy Lixx para Belo Horizonte. Ele já viajou para a Suécia, na mesma excursão com o Leonardo, para o Sweden Rock Festival. Lidio analisa o rock sueco e a cena independente de hardrock do pais escandinavo.
“A Suécia, além de ser influente no rock mundial desde os anos 80, como com a banda Europe, também tem uma cena local forte. Como nós temos o Overdose (banda mineira de metal dos anos 80), lá tem o Treat, banda de 1981 que se manteve constante na cena mesmo com o passar das décadas”, analisa Lídio.
Na visão do produtor cultural, esta cena atuante é uma das causas para a paixão dos suecos com o rock dos anos 80. “Lá bandas como Mötley Crüe e Twisted Sister são adoradas até hoje, assim como Metallica e Iron Maiden são no Brasil. O rock dos anos 80 não se desgastou na Suécia, como o que ocorreu com o resto do mundo”.
Lídio explica esta nova onda do glam rock, a New Wave of Swedish Sleaze. “O movimento glam pelo mundo sempre teve esse preconceito, pela androginia, mas na Suécia o público sempre lidou bem com esse comportamento glam. Lá não há esse ‘pensamento’. Em 2005, o Crashdïet (percussores e um dos principais nomes do glam rock sueco) assinou com a Universal Music. Foi a primeira banda de hardrock a assinar contrato com esta grande gravadora desde a Rush em 1987. São fatores que eu acredito neste ‘revival’, nesta nova onda. A molecada atualmente está se libertando, foi se libertando. Foi um monte de gente vendo o visual antigo dos anos 80, bem carregado, com muita maquiagem, bem glam rock mesmo. Isso foi desencadeando um monte de gente que estava retraída. Isso não é só na Suécia, está por todo mundo”.