Há mais de 20 anos, Daniel Trujillo e Paul Madrid dirigem a Eastside Cutters, barbearia localizada a alguns quilômetros dos famosos cassinos da Las Vegas Strip, em Nevada, onde trabalhavam antes.
Graças ao lucro do negócio, cada um conseguiu comprar uma casa espaçosa em um bairro próximo à escola pública de seus filhos. Economizaram dinheiro suficiente para viajar com a família de férias algumas vezes. Superaram os altos e baixos econômicos característicos do estado de Nevada.
As paredes do estabelecimento estão cobertas por pinturas de Madrid, que retratam heróis mexicanos populares, como Emiliano Zapata e Frida Kahlo, simbolizando um orgulho étnico duradouro. Uma delas, na vitrine, faz referência a outro aspecto importante da vida deles. Sobre as listras de um poste de barbeiro, em letra cursiva artística, está escrita a frase “A classe trabalhadora”. “Isso é o que somos, cara, e nunca nos esquecemos. Queremos trabalhar. Queremos dinheiro. Queremos liberdade. É isso”, comentou Trujillo, de 51 anos. “Aqui ninguém herdou nenhuma fortuna”, acrescentou Madrid, de 54 anos.
Essa identidade, que é como uma medalha de honra ao mérito para eles, interessa muito a duas outras pessoas: Donald Trump e Joe Biden. O apoio dos homens latinos aos democratas, sobretudo os que não têm ensino superior, diminuiu nos últimos anos, à medida que o Partido Republicano de Trump tentou mudar sua imagem e se vender como o partido da classe trabalhadora. A reeleição de Biden pode depender de sua capacidade de reverter essa tendência em estados disputados, incluindo Nevada.
Madrid e Trujillo são um exemplo do desafio que Biden enfrenta. Embora compartilhem uma história de vida semelhante — ambos cresceram em Las Vegas, aprenderam um ofício, foram membros de um sindicato durante um período e possuem uma renda estável —, não concordam a respeito de quem deve ser o próximo presidente. Madrid continua sendo um democrata leal e ainda está do lado de Biden, apesar da apreensão. Trujillo é um apoiador fervoroso de Trump, acreditando que este dá voz a pessoas como ele.
Esse antagonismo geralmente cria situações desconfortáveis quando separa famílias ou gera controvérsias nas redes sociais. Mas, para esses dois amigos que passam grande parte do dia juntos, em clima descontraído em um shopping antigo de Las Vegas, as conversas a respeito dessa divergência são mais reveladoras do que dolorosas.
Os dois concordam em muitos pontos: têm dificuldade de identificar melhorias do governo que se refletem em sua vida; temem que seus filhos não tenham o mesmo sucesso econômico que eles; e lamentam que nenhum presidente tenha conseguido corrigir um sistema de imigração profundamente falho. Mas também têm opiniões opostas a respeito de princípios básicos: Madrid está convencido de que os políticos podem, e devem, fazer o bem. Trujillo acredita que o governo deveria parar de atrapalhar — ou até mesmo desaparecer.
Madrid e Trujillo viveram uma infância paralela: filhos de pais originários da área rural do Novo México que se mudaram para Las Vegas durante o boom do fim dos anos 60 e do início dos anos 70. Falavam espanhol com os avós, jogavam futebol americano e dirigiam carros rebaixados.
Depois do ensino médio, Madrid ingressou no Exército dos Estados Unidos e foi enviado para o Alasca durante a Guerra do Golfo. Viu seus amigos lidando com o transtorno do estresse pós-traumático e se sentiu grato por nunca ter precisado participar de um combate. Trujillo trabalhou brevemente como assistente de garçom e em cassinos na Strip. Quando se cansou desse ambiente impregnado de fumaça de cigarro, decidiu aprender o ofício de seu irmão, que era barbeiro.
Há muitos anos, Madrid é o mais interessado em política; para ele, votar sempre foi um dever cívico. Trujillo era praticamente alheio ao assunto, exceto quando as notícias se tornavam enredos divertidos para debater na barbearia. (Ele se lembra, sobretudo, do impeachment do ex-presidente Bill Clinton.) “Não abordo a política. Ela é que me aborda”, disse ele, que se lembra de ter votado em Barack Obama uma vez, em 2012. Ou talvez quando todos falavam dele, em 2008? De qualquer forma, Madrid foi quem o convenceu de que apoiar o primeiro presidente negro era importante, emocionante e uma oportunidade de fazer parte de uma mudança.
Alguns anos depois, quando Trump entrou em cena, a política “abordou” Trujillo novamente. A filosofia radical do ex-presidente combinava com sua irritante percepção de que o país precisava de uma sacudida. Suas coletivas de imprensa o faziam rir. Assim como muitos outros eleitores que apoiam Trump, ele começou a prestar mais atenção ao assunto e a votar. “Ele trouxe para a gente um drama sensacionalista à la Jerry Springer”, afirmou, fazendo referência a um estilo de entretenimento popularizado pelo programa de televisão The Jerry Springer Show, apresentado pelo ex-político Jerry Springer, conhecido por suas histórias dramáticas e apelativas.
A retórica grosseira de Trump não dissuadiu Trujillo. Pelo contrário, divertia-se com ela. Ainda acha que o comentário do ex-presidente, gravado acidentalmente, sobre agarrar as mulheres pelos órgãos genitais é uma espécie de chamado para “agarrar os Estados Unidos” na mesma região. “Não digo por falta de respeito. É a maneira dele de dizer: ‘Deixe de ser fresco.'”
Madrid sorri e revira os olhos em reação à fanfarronice. Raramente discute com Trujillo ou com seus clientes. Prefere recorrer a ações sutis para comunicar seu ponto de vista. Pouco depois da vitória de Biden, em 2020, pendurou uma enorme bandeira americana nos fundos da barbearia, indicando que o patriotismo não é exclusividade de um partido. Em sua opinião, Trump é um manipulador experiente que se aproveitou de cristãos, como ele, da classe trabalhadora e de todas as pessoas convencidas de que o sistema político americano precisa de reforma. Nem sempre deixa de expor suas queixas. Há alguns anos, durante sua reunião semanal de estudo da Bíblia, expressou sua preocupação em relação aos danos causados pelos ataques de Trump aos imigrantes de sua comunidade, e um amigo implorou que ele parasse de falar de política.
Seu otimismo passa por altos e baixos, mas ele não compartilha a visão sombria que Trujillo e muitos de seus clientes têm do governo. De qualquer forma, preferiria que um líder mais jovem do que Biden estivesse pronto para assumir o comando, e fica horrorizado cada vez que o presidente comete um erro. Embora quisesse que não fosse assim, Madrid já aceitou que Biden vai ser o indicado de seu partido. “Tento não perder a esperança de que logo apareça alguém melhor”, comentou.
Desde que a barbearia reabriu depois do fechamento durante a pandemia de covid, em 2020, o clima entre os clientes, majoritariamente latinos, tem sido sombrio. Queixam-se das injustiças que veem e se perguntam quando poderão estar em uma situação melhor. Esses homens – e só há homens (já que Trujillo nega, educadamente, cortes de cabelo às mulheres) – descrevem uma sensação vaga, mas persistente, de que não tiveram as mesmas vantagens que outros.
“Tem muita gente por aí procurando por ajuda, querendo que as coisas lhe sejam dadas. Quero que meus impostos sejam justos. Que o preço do meu combustível seja baixo, bem como as taxas de juros que me cobram. Se puder me conceder, como um americano, essas três coisas, tudo bem, você está fazendo seu trabalho”, disse Trujillo.
Mas ele e Madrid hoje têm mais esperança do que há dois anos, ou mesmo seis meses. Em certos dias, acreditam que o mundo está à beira do caos. Em outros, concentram-se mais na segurança relativa que conquistaram: Madrid viajou com a família ao Catar e a Nova York nos últimos dois anos. Os dois filhos de Trujillo recentemente compraram sua primeira casa. A barbearia está indo muito bem; a qualquer hora do dia, em vários dias da semana, sempre há clientes.
Atualmente, Trujillo adora reclamar sobre “um mundo muito politicamente correto”, porque agora precisa ter cuidado com o que diz. Não acredita que os ataques verbais de Trump aos mexicanos o tenham prejudicado pessoalmente. “As pessoas estão só procurando desculpa para se ofender”, comentou. A algumas cadeiras de distância, em uma manhã recente, Madrid explicou sua posição, que não é complicada: “O que me importa é: o que vai me afetar pessoalmente? O que vai afetar meu negócio, minha casa?”
Muitos clientes da barbearia são imigrantes do México, de El Salvador, de Honduras e da Colômbia. Mesmo com tantas discordâncias, Trujillo e Madrid concordam que os dois partidos se aproveitaram dos imigrantes que estão ilegalmente no país, mas que trabalharam e pagaram impostos durante anos.
Madrid fica desconfortável ao falar sobre o histórico do Partido Democrata no que diz respeito à imigração. Embora não se autointitule um ativista, bateu de porta em porta durante a campanha de Obama — a primeira e única vez que o fez. Além disso, distribuiu garrafas de água durante algumas manifestações relacionadas à imigração. Acha que o fracasso em melhorar o sistema de imigração — e a deportação de milhões de pessoas — é uma mancha no legado de Obama, e está igualmente desapontado com Biden pelo mesmo motivo. “Alguns usam a desculpa de que não tiveram tempo suficiente ou que essa não era uma das prioridades”, afirmou Madrid a respeito dos dois presidentes democratas. “Se uma coisa não é urgente, você nunca vai encontrar tempo para ela.”
Trujillo tem um tipo de respeito fraternal por Madrid e até pede conselhos políticos a ele em algumas ocasiões. “Ele sempre vai saber mais do que eu”, disse Trujillo com seriedade.