Edith Ceccarelli viu duas guerras mundiais, sobreviveu a pandemias letais e morou num único município quase a vida toda
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Quando Edith Ceccarelli nasceu, em fevereiro de 1908, Theodore Roosevelt era presidente, Oklahoma tinha acabado de se tornar o 46º estado norte-americano e as mulheres ainda não tinham conquistado o direito de votar. Hoje, aos 116, é a pessoa mais idosa dos EUA e a segunda do planeta; já passou por duas guerras mundiais, viu a chegada do Ford Modelo T e as duas pandemias mais letais da história nacional
Alexandra Hootnick/The New York Times – 04.02.2024
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Durante a maior parte da vida, morou em um único lugar: Willits, vilarejo aninhado entre as florestas de sequoias-vermelhas da Califórnia que já foi conhecido pela exploração de madeira, mas hoje é mais famoso graças a ela – tanto que, na sede da Prefeitura, cercada por árvores de mais de 30 metros, há uma foto sua, em moldura dourada, em uma vitrine de destaque. No ano passado, o Comitê de Supervisores do Condado de Mendocino proclamou cinco de fevereiro como o dia de celebrar sua filha favorita. “Quando completou o centenário, a comunidade inteira ficou impressionada e ela acabou se tornando meio que uma celebridade local”, explicou a prefeita Saprina Rodriguez, que, aos 52 anos, tem menos da metade da idade de Ceccarelli
Alexandra Hootnick/The New York Times – 05.02.2024
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No domingo, quatro de fevereiro, Willits promoveu a festa anual para sua moradora mais ilustre, que assistiu a tudo da varanda da casa de repouso onde vive. Estava chovendo, ou melhor, era o início de mais um “rio atmosférico” – como as tempestades eram chamadas no tempo em que Ceccarelli era novinha –, mas ninguém nem sequer cogitou cancelar a homenagem
Alexandra Hootnick/The New York Times – 03.02.2024
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No desfile, passaram os carros da polícia e os caminhões dos bombeiros, as luzes piscando; a seguir, um caminhão de lixo. Depois, carros enfeitados com guirlandas, balões e flores, levando moradores que acenavam e cantavam para a querida Edie. “Ela é um ícone local. Sempre foi um encanto de pessoa; é uma felicidade enorme poder comemorar mais um ano de sua vida”, disse Suzanne Picetti-Johnson, moradora antiga de Willits que, de capa e touca, dirigia um utilitário com um cartaz em que se lia “Parabéns pelos 116 anos!” no vidro de trás
Alexandra Hootnick/The New York Times – 02.02.2024
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Em cinco de fevereiro de 1908, Edith Recagno nasceu com a ajuda da tia na casa em que seu pai erguera sozinho. Não havia eletricidade nem encanamento, mas um poço não só fornecia a água que a família consumia como servia de espaço refrigerado para o leite e a carne, pois não havia geladeira
Alexandra Hootnick/The New York Times – 04.02.2024
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Ela foi a primeira dos sete filhos de Agostino e Maria Recagno, imigrantes italianos atraídos para o condado de Mendocino County pelas oportunidades. Willits, com suas árvores recobertas por musgo verde brilhante e samambaias gigantes que se espalham ao longo das margens dos riachos gelados, foi fundada pelos fazendeiros pioneiros nos idos de 1850, que chegaram à Califórnia durante a febre do ouro
Alexandra Hootnick/The New York Times – 04.02.2024
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Ceccarelli cresceu jogando basquete, tênis e tocando saxofone – a mãe teve de economizar para comprar o instrumento –, e adorava cantar e dançar. “Meu pai abriu uma mercearia em Willits em 1916, cortava lenha e levava para casa depois do expediente. Sentava-se conosco depois do jantar e nos ajudava a ler. Estudou só até o terceiro ano do fundamental, mas era inteligente. Ainda vejo a lamparina na mesa em que líamos”, escreveu ela uma vez
Alexandra Hootnick/The New York Times – 02.02.2024
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A partir daí, a vida tomou um rumo familiar a muitas mulheres da época: casou-se com o namoradinho da escola, Elmer Keenan, aos 25 anos, e os dois se mudaram para a cidade próxima, Santa Rosa, onde ele arrumou um emprego de tipógrafo do jornal “The Press Democrat”; em seguida, adotaram uma menina. Em 1971, depois que ele se aposentou, o casal voltou para Willits
Alexandra Hootnick/The New York Times – 04.02.2024
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Ela continuou a envelhecer, mas nem todos os que faziam parte de sua vida tiveram a mesma sorte: o marido morreu em 1984, depois de mais de 50 anos juntos. Voltou a se casar, com Charles Ceccarelli, que faleceu em 1990. Em 2003, foi a vez da filha, aos 64 anos. Além dela, perdeu todos os seis irmãos mais novos, bem como as três netas, todas na faixa dos 40 anos, devido a uma doença congênita. “Foram-se todos, há muito, muito tempo”, comentou Evelyn Persico, de 84 anos, ao folhear os álbuns de fotos em preto e branco com legendas na letra de Ceccarelli. Persico, casada com um primo de segundo grau da centenária, mora em uma fazenda em Willits, e é uma das poucas parentes que lhe restaram
Alexandra Hootnick/The New York Times – 04.02.2024
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Por isso, quando estava perto de comemorar cem anos, em 2008, Ceccarelli decidiu convidar a cidade inteira para a festa. Afinal, apesar de décadas de mudanças – como a rodovia 101 que agora cruza a rua principal e a expansão das propriedades que cultivam maconha –, Willits continuava uma comunidade bastante unida. Elegante, ela se tornara famosa por nunca perder um baile no centro para idosos e pelas caminhadas diárias
Alexandra Hootnick/The New York Times – 03.02.2024
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De terninho rosa-choque e salto alto, valsou ao lado das mais de 500 pessoas que se reuniram para celebrar sua nova idade, com direito a tiara depositada sobre os cabelos brancos pelo prefeito da época. A partir de então, todo ano seu aniversário ganhou uma festa, um almoço ou, nos anos da pandemia, um desfile aberto a todos os moradores. Quase sempre com um lenço colorido sobre os cabelos e de colar de pérolas, ela fazia questão de contar seu segredo de longevidade: “Tome dois dedos de vinho tinto com o jantar e cuide só da sua vida.”
Alexandra Hootnick/The New York Times – 04.02.2024
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Dependendo do ano, compartilhava com os convidados suas histórias de vida – como a de ter sido apresentada a um homem que conhecera Abraham Lincoln ou o repicar dos sinos em Willits em 11 de novembro de 1918, anunciando o fim da Primeira Guerra Mundial. “Eu gosto de morar em cidade pequena. Você vai para a cidade grande e não conhece ninguém”, declarou ao jornal local às vésperas de completar 107 anos
Alexandra Hootnick/The New York Times – 03.02.2024
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Foi com essa idade que deixou de morar sozinha e se mudou para uma casa de repouso em Willits mesmo. Até agora, já viveu 37 anos a mais do que a mulher norte-americana média. De fato, a única pessoa que a supera em idade no mundo é Maria Branyas Morera, que vive na Espanha, mas nasceu em San Francisco, 11 meses antes
Alexandra Hootnick/The New York Times – 04.02.2024
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A Prefeitura assumiu o planejamento de suas festas de aniversário, já que sofre de demência em estágio avançado e nem sempre sabe o que está acontecendo. Na manhã do dia da comemoração, ela parecia feliz por saber que era o motivo para todos estarem ali, e chegou a provar o bolo de cenoura decorado com um “116”. “Eu a admiro muito”, confessou Persico, que cumprimentou Ceccarelli com um beijo na testa. “Difícil acreditar que essa italianinha, nascida na nossa cidade, tão pequenina, bateu praticamente todos os recordes de longevidade.”
Alexandra Hootnick/The New York Times – 03.02.2024
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