Depois de anos de expectativa, a Apple está pronta para lançar seu produto mais significativo em quase uma década, o Vision Pro, computador facial que se assemelha a óculos de esqui e que custará inicialmente US$ 3.500, programado para ser lançado na próxima semana.
E então, o que podemos esperar dele?
O dispositivo, equipado com telas de alta resolução e sensores que rastreiam os movimentos dos olhos e os gestos das mãos, é um dos produtos mais ambiciosos da Apple, que o considera o precursor de uma era de “computação espacial”, pois combina dados com o mundo físico para aprimorar a vida cotidiana. Imagine, por exemplo, fazer uma apresentação com o apoio de anotações digitais exibidas no canto do seu olho.
Eu estava entre os primeiros jornalistas a experimentar o Vision Pro no ano passado e saí impressionado com a qualidade da imagem, mas não muito certo de que as pessoas gostariam de usá-lo. Esse ceticismo foi influenciado pela minha experiência com mais de uma dúzia de headsets nos últimos 12 anos, produzidos por empresas como o Google, a Meta, a Snap, a Samsung e a Sony. Entre esses dispositivos, havia óculos de realidade virtual que se conectavam a desktops volumosos e óculos inteligentes que tiravam fotos. Seu objetivo comum era criar experiências imersivas para executar tarefas movimentando o corpo em vez de digitar.
De modo geral, o problema dos headsets tem menos a ver com a tecnologia e mais com o comportamento: as pessoas logo se cansam de usar um computador no rosto, o dispositivo acaba esquecido no armário e os desenvolvedores de software perdem o interesse em criar aplicativos. As vendas de dispositivos de realidade mista e realidade virtual caíram 8,3 por cento no ano passado, de acordo com a empresa de pesquisa IDC, embora a entrada da Apple no mercado possa reverter essa tendência.
A Apple tem a reputação de ser a última a lançar produtos, apostando na qualidade superior, como foi o caso com os leitores de música e smartphones, mas não é garantido que o Vision Pro seja um sucesso revolucionário, especialmente com seu preço de tirar o fôlego. “Será que a Apple está entrando tarde no mercado, mas com o melhor produto e, portanto, vai ser bem-sucedida? Ou será que ainda não existe um mercado porque não há headsets de US$ 3.500 voltados para o grande público?”, questionou Michael Gartenberg, analista de tecnologia e ex-diretor de marketing da Apple.
Para entender melhor como um computador facial da Apple pode (ou não) se integrar à nossa vida no futuro, é útil revisitar os diversos dispositivos semelhantes que já usei e que prepararam o terreno para o Vision Pro.
Em 2012, o Google apresentou um headset de realidade mista batizado de Google Glass. Basicamente, era uma faixa de cabeça com uma câmera e um monóculo, posicionada acima do olho direito, equipada com uma tela transparente que exibia um software de calendário e mapas. Para demonstrar seu incrível potencial, o fabricante produziu um vídeo em que pessoas usavam o computador facial enquanto saltavam de um avião.
Quando testei um protótipo inicial do Google Glass naquele ano, o único recurso que funcionava era um aplicativo de mapas que mostrava rotas à medida que eu caminhava por uma trilha. Aquilo poderia ser útil, em teoria, para ficar de olho na estrada enquanto eu dirigia ou andava de bicicleta, mas a um custo significativo: fiquei parecendo um personagem de “Jornada nas Estrelas”.
Como não poderia deixar de ser, depois que o Google Glass fez sua estreia pública, houve um pandemônio. Um blogueiro de San Francisco foi agredido por usar um. Surgiram memes, incluindo o termo “Glasshole”, que designava alguém gravando vídeos de pessoas sem a permissão delas. O Google acabou comercializando o monóculo como um dispositivo comercial, mas finalmente eliminou o produto em 2023.
Depois do fracasso do Google Glass, o setor de tecnologia voltou à prancheta para resolver os problemas de design e privacidade. Em 2016 e 2021, a Snap e a Meta lançaram óculos elegantes com câmeras e pequenas luzes que indicavam quando o usuário estava gravando. Nenhum dos dois produtos foi bem aceito. Recentemente, testei os óculos Meta de segunda geração e concluí que, embora tivessem um visual moderno o suficiente, as preocupações com a privacidade continuavam, pois ninguém percebeu quando eu estava tirando fotos.
O setor de tecnologia também estava ansioso para conquistar o público com um tipo diferente de dispositivo para realidade virtual (RV). Parecendo óculos de plástico, os headsets bloqueavam a visão do mundo exterior para que você mergulhasse em um ambiente digital em 3D e experimentasse algo como se estivesse realmente lá – movimentando a cabeça para olhar o Grand Canyon, por exemplo.
Para facilitar a venda de dispositivos de RV, empresas de tecnologia como o Google e a Samsung tentaram usar smartphones como tela e central de processamento. Em 2015, em parceria com a Oculus, empresa de RV, a Samsung projetou o Gear VR, headset no qual o usuário podia inserir um smartphone para ver o conteúdo de RV. Em 2016, o Google lançou o Daydream VR, produto semelhante para aparelhos Android.
Embora os produtos tenham reduzido o custo para incentivar as pessoas a experimentar a RV, tive problemas com eles. Os smartphones que executavam o software de RV esquentavam muito, as baterias descarregavam rapidamente e os aplicativos eram um tanto mirabolantes – uma simulação que experimentei envolvia olhar para um dinossauro virtual. O Google eliminou o Daydream VR em 2019, e a Samsung anunciou o fim de seus serviços de conteúdo de RV em 2020.
Em 2016, a Oculus, adquirida pela Meta por US$ 2 bilhões dois anos antes, lançou o Oculus Rift, sistema de RV de alta qualidade que se conectava a um potente desktop. O pacote completo, que incluía o headset, o computador e um controle de jogos, custava US$ 1.500. Contando com 30 jogos no lançamento, o produto foi comercializado como um dispositivo de jogos de última geração.
Os jogos de RV foram projetados para permitir que o jogador se movimente como se estivesse dentro do jogo. Um jogo de tiro poderia envolver a ação física de procurar armas, inclinar-se e usar controles de movimento para pegá-las e dispará-las contra os adversários.
Seguiram-se outros produtos semelhantes, inclusive o PlayStation VR de US$ 400 da Sony, headset que se conectava aos consoles PlayStation. Durante anos, o headset do PlayStation dominou o espaço da realidade virtual de alta potência, pois reduziu os custos ao eliminar a necessidade de comprar um computador separado. A segunda geração do produto foi lançada no ano passado.
No entanto, um executivo da Sony recentemente chamou a RV de “categoria desafiadora”, porque ela não mudou muito no setor de jogos. A maioria das pessoas ainda prefere jogar videogames na televisão.
Em minha experiência ao testar todos esses produtos ao longo dos anos, eles compartilhavam as mesmas falhas: os headsets eram pesados, o hardware e os fios criavam uma bagunça na sala de estar e não havia muitos jogos interessantes para jogar.
Os headsets autônomos, que reúnem as tecnologias de computador, tela e sensor em um único produto, tornaram-se os produtos de RV mais convenientes até o momento. Desde 2019, os headsets Meta’s Quest, que variam de US$ 250 a US$ 1.000, utilizam essa abordagem, mas ainda não são um sucesso de mercado.
No ano passado, a Meta lançou o Quest 3, a US$ 500, seu primeiro headset para o consumidor com foco em realidade mista, que usa câmeras para ver o mundo real enquanto usa o headset. Ao disparar uma arma em um jogo de tiro, você pode se proteger atrás do sofá da sala, por exemplo. Em meus testes, concluí que, embora os gráficos tenham melhorado muito, o peso do headset começou a incomodar meu pescoço depois de cerca de 15 minutos. Também não fiquei impressionado com os jogos e com a curta duração da bateria do dispositivo, de duas horas.
Isso nos leva ao produto em questão: o Vision Pro, que a Apple está promovendo como uma ferramenta de produtividade para substituir seu laptop por uma tela virtual e um teclado digital, um reprodutor de filmes em 3D e um dispositivo de jogos.
Com 600 g, o Vision Pro é tão pesado quanto os produtos da Meta, e meus olhos e meu pescoço ficaram igualmente cansados depois de usá-lo por meia hora.
A bateria do headset da Apple, peça separada que se conecta aos óculos por meio de um fio, oferece duas horas de duração como a da Meta, o que não é suficiente para terminar a maioria dos filmes de longa-metragem, muito menos para trabalhar.
Quanto aos jogos, nenhum grande estúdio anunciou ainda algum jogo feito especificamente para o Vision Pro. O headset inclui um aplicativo que permite ver um dinossauro em 3D.
c. 2024 The New York Times Company
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