Em setembro do ano passado, os maiores nomes da tecnologia foram ao Capitólio para participar de um fórum sobre inteligência artificial (IA). Em um encontro fechado para a imprensa, executivos informaram a quase dois terços dos senadores sobre o futuro desse sistema. Alguns respeitados líderes trabalhistas e civis estavam presentes, mas os gigantes da tecnologia foram destaque dos noticiários.
Há uma suposição no Vale do Silício de que o primeiro trilionário pode realmente ser um empreendedor de IA, de modo que os líderes da tecnologia estavam ansiosos para compartilhar suas ideias sobre algumas regras relacionadas a ela. Alertaram para robôs assassinos e um possível cenário do filme “O Exterminador do Futuro”, para a desinformação e os vídeos falsos, mas deram pouca atenção a questões maiores, como a justiça e a desigualdade econômica, que são preocupações mais urgentes para a maioria dos americanos.
Assistir a Mark Zuckerberg, Bill Gates e Sam Altman liderando uma conferência sobre os princípios éticos e regulamentações que deveriam guiar o desenvolvimento da IA lembrou as conferências do Fórum Econômico Mundial de Davos dos anos 1990 e do início dos anos 2000. Caso você não se recorde, a narrativa que aquelas reuniões transmitiam para o mundo era que todos poderiam ter um trabalho ligado a habilidades intelectuais; os bens de consumo se tornariam mais baratos e a globalização associada à internet traria benefícios para todos.
Bom, não foi exatamente assim que aconteceu.
O que aqueles participantes de Davos não levaram em conta foi como a globalização sem restrições prejudicou a classe trabalhadora nos Estados Unidos. Mas agora já estamos todos familiarizados com as consequências: fábricas fechadas e comunidades rurais que nunca viram os empregos prometidos se concretizarem. Enquanto o sonho americano se tornava inalcançável, muita gente desenvolveu um ressentimento profundo – e justificado – ao ver a enorme concentração de riqueza e de oportunidade em distritos como o meu, no coração do Vale do Silício.
Os defensores da nova economia foram prescientes quanto à geração de riqueza que a globalização e a internet trariam, mas erraram ao pensar que isso aumentaria as perspectivas econômicas para todos os americanos.
Assim como a globalização, a IA sem dúvida trará benefícios – e muitos – para nossa economia, como uma maior produtividade, medicina e educação personalizadas e um uso mais eficiente da energia. A IA generativa tem o potencial de ajudar aqueles com menos recursos ou experiência a aprender e desenvolver novas habilidades com mais celeridade.
O verdadeiro desafio, porém, é como garantir a dignidade e a segurança econômica dos americanos da classe trabalhadora durante as mudanças que estão por vir. E, ao contrário da Revolução Industrial, que durou pelo menos meio século, a revolução da IA está se processando à velocidade da luz.
Hoje, o Partido Democrata está em uma encruzilhada, como esteve nos anos 1990, quando a ala dominante argumentava a favor de priorizar o crescimento do setor privado e deixava que as coisas se desenrolassem sem intervenção e controle. Na ocasião, as críticas a essa abordagem feitas pelo senador Paul Wellstone, pelo senador Russ Feingold e pelo então deputado Bernie Sanders – de que o desastre da globalização e da transferência de trabalho para o exterior para redução de custos de produção não apenas não estava ajudando a classe trabalhadora como, de fato, estava prejudicando-a – foram em grande parte ignoradas.
No que diz respeito à IA, as divisões dentro do Partido Democrata se dão similarmente entre os interesses empresariais e trabalhistas, entre doadores e ativistas de base, e entre os que estão preocupados principalmente com nossa competitividade global e os que priorizam o bem-estar econômico da classe trabalhadora.
A tensão gerada entre as empresas e os trabalhadores ficou evidente na contenda sobre a legislação proposta na Califórnia, o projeto de lei A.B. 316, gerando uma discordância entre mim – e muitos legisladores do estado – e o governador Gavin Newsom. O projeto de lei exigia, durante pelo menos cinco anos, a presença de um motorista humano a bordo de caminhões autônomos que transportem mais de quatro toneladas e meia de mercadorias ou passageiros.
As empresas de tecnologia argumentam que substituir motoristas humanos por IA é viável, reduzirá os custos trabalhistas e, consequentemente, tornará mais barato o transporte de bens e serviços. Fizeram lobby pesado contra o projeto de lei. Mesmo assim, este foi aprovado de maneira esmagadora, com o apoio de mais de 80 por cento do Legislativo da Califórnia e mais de 70 por cento dos eleitores do estado. Infelizmente, Newsom se posicionou ao lado dos defensores dos negócios, em setembro, e vetou a legislação.
Apoiei a A.B. 316 porque os motoristas afirmam que atualmente é um risco desnecessário ter caminhões grandes em estradas públicas sem um humano a bordo, especialmente sob condições climáticas extremas, em situações perigosas ou com carga pesada a bordo.
Ninguém entende melhor os riscos envolvidos na segurança do que os próprios motoristas, e é imprudente e ofensivo sugerir que eles inventariam essas preocupações para manter empregos que não agregam valor. Não confiaríamos em aviões que voassem sem piloto, mesmo com os sistemas de pilotagem automática mais sofisticados e bem testados, assim como não deveríamos confiar em grandes caminhões que rodassem sem um operador.
Não são só as preocupações dos motoristas de caminhões em relação à IA que estão causando divisões na coalizão democrata. No verão setentrional passado, alguns políticos da Califórnia estavam hesitantes em apoiar publicamente a greve da Associação dos Escritores da América, diante da importância cultural e do poder de captação de recursos de Hollywood. Fiquei orgulhoso de ter me juntado à paralisação. Assim como no caso dos caminhões autônomos, a questão se resume a dar voz aos trabalhadores.
Os escritores estavam interessados na maneira como a IA poderia ser útil como uma ferramenta de pesquisa e para a exploração de novos potenciais para filmes e programas de televisão, mas temiam que os estúdios pudessem utilizá-la para criar roteiros genéricos e previsíveis, sacrificando assim a originalidade, a imaginação e a criatividade, para obter mais lucro.
É melhor que os escritores, e não os executivos, descubram gradualmente as melhores aplicações da IA no entretenimento. Em seu novo contrato com os estúdios, eles conquistaram importantes diretrizes de proteção relacionadas à IA em créditos e compensação – proteções que podem evoluir com o tempo.
Mesmo que o emprego de escritor seja muito diferente do ofício de motorista de caminhão, a solidariedade trabalhista é uma das poucas forças contrárias que podem amortecer a desumanização do trabalho motivada pela maximização de lucros em curto prazo em um mundo onde a IA é capaz de interromper abruptamente os empregos – os de escritório e também os manuais.
Dessa forma, os trabalhadores precisam de mais do que voz ativa e proteções; devem, também, compartilhar os lucros da empresa, seja uma firma de transporte, seja um estúdio de produção, seja um fabricante de automóveis. Assim como muitos CEOs, os funcionários devem receber uma compensação baseada nos lucros e no desempenho da corporação, e não só nas horas trabalhadas. É a única maneira de essa classe prosperar plenamente à medida que a IA aumenta a capacidade produtiva dos EUA.
É claro que existem céticos em Washington em relação às políticas pró-trabalhistas. “E quanto à ameaça de que as principais empresas de IA migrarão para a China se pagarmos salários mais altos aos trabalhadores daqui?”, eles se questionam. E alertam: “Não aumentem os bônus ou compartilhem os lucros com os trabalhadores, ou perderemos a corrida global.” Cedemos a essa chantagem nos anos 1990 e 2000, e vejam a que ponto chegamos.
Os americanos estão cansados de ouvir sobre noções abstratas de nossa competitividade global enquanto não há um aumento de seu salário e o custo de vida fica cada vez mais alto.
Já existem relatos de que a IA poderá substituir dezenas de milhares de empregos este ano em grandes empresas, causando danos potenciais à cultura e às comunidades locais – e dando início a uma tendência preocupante. Um comitê trabalhista em cada corporação deve opinar sobre como a IA pode ajudar os funcionários a executar melhor suas atuais funções, se a contratação de novos trabalhadores deve diminuir e quais podem ser os novos cargos para os que forem afetados antes da reestruturação e da demissão de pessoas.
Não é o caso de desconsiderar a necessidade de dinamismo, fluidez e flexibilidade em nossos mercados. As empresas americanas devem continuar a adotar tecnologias de ponta, que podem desencadear uma revolução no processo de produção no país – algo que os EUA deveriam celebrar, em parte porque empregos nos setores que requerem habilidades manuais parecem ter menos chances de ser eliminados.
É um desenvolvimento que pode reverter o declínio das novas fábricas americanas. Mesmo assim, a política federal deve exigir que empresas públicas tenham participação ativa dos trabalhadores ao tomar decisões sobre como a IA mudará empregos cujas funções podem ser automatizadas, e oferecer incentivos fiscais às corporações que dão aos trabalhadores uma participação direta em seu lucro.
Esse é o equilíbrio que precisamos atingir. Devemos incentivar mudanças significativas e transformadoras em nossas universidades, startups e até mesmo em grandes empresas, mas priorizando a perspectiva e o ganho dos trabalhadores na adoção de qualquer tecnologia que venha a se desenvolver.
Essa é uma visão para a inovação democrática que ainda nos permitirá competir economicamente e militarmente, mas não à custa do bem-estar e do direito dos humanos. Uma inovação que reconheça que a necessidade de uma integração social pode ser o fator determinante para o sucesso do experimento e da liderança americanos.
O Partido Democrata não pode se proclamar como o representante da classe trabalhadora se permitirmos que a IA diminua os ganhos e a segurança dos funcionários. O partido pode ser perdoado uma vez pelo erro de contribuir para o descontrole da globalização, mas não duas vezes.
Nossas tecnologias – as desenvolvidas por nós – têm o propósito de complementar e aprimorar a iniciativa humana, e não de subordiná-la ou explorá-la. Devemos lutar para que os trabalhadores tenham um papel na tomada de decisões sobre como e quando adotar essas ferramentas, e devemos insistir que eles lucrem com a implantação delas. O desafio de nossa geração é garantir que a IA seja um meio para reduzir as grandes diferenças econômicas e de oportunidade que nos afetam, e não para agravá-las.
c. 2024 The New York Times Company
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