O governo federal sancionou a lei 14.721, que amplia e garante o direito à assistência psicológica para grávidas que são atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS) antes, durante e depois do parto.
Dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontam que, no Brasil, uma em cada quatro mulheres desenvolvem depressão pós-parto no período de seis a 18 meses após o nascimento do bebê. Por isso, é tão importante que essas pacientes sejam identificadas e acompanhadas desde a gestação para minimizar os riscos.
O sistema de saúde tem 180 dias para se adequar às exigências da lei, publicada em 8 de novembro. Por enquanto, não foram divulgados os detalhes de como o atendimento será implementado pelos municípios, nem qual será o impacto financeiro nas contas públicas. A boa notícia é que não há um número específico de atendimentos que essa gestante poderá receber — ela deverá ser acompanhada durante todo o tratamento pelo tempo que for necessário.
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É importante ressaltar que, logo após o parto, cerca de 80% das mulheres vão vivenciar o baby blues — que é um conjunto de sentimentos que costuma ser confundido com depressão pós-parto: choro constante, tristeza, angústia, excesso de sensibilidade, irritabilidade, ansiedade.
“O baby blues surge imediatamente após o parto e costuma durar de duas a três semanas. São sentimentos transitórios, que não afetam o vínculo entre mãe e bebê e que costumam regredir sozinhos”, explicou Rômulo Negrini, coordenador-médico da obstetrícia do Hospital Israelita Albert Einstein.
A depressão pós-parto, pelo contrário, não costuma desaparecer e pode trazer outras complicações. Uma mulher que desenvolve o transtorno sofre inúmeras consequências, inclusive no aspecto afetivo, atrapalhando o vínculo entre mãe e bebê. Dados da literatura científica apontam efeitos no desenvolvimento social, afetivo e cognitivo da criança, além de possíveis sequelas prolongadas na infância e adolescência.
A mulher com depressão, em geral, amamenta pouco e não costuma cumprir o calendário vacinal dos primeiros meses de vida, o que pode trazer impactos importantes para a saúde do bebê.
Desde o ano passado, a Associação Americana de Psiquiatria deixou de usar o termo “depressão pós-parto” e passou a adotar a expressão “depressão perinatal” para se referir aos problemas de saúde mental envolvendo as mulheres grávidas. Isso porque os sintomas depressivos maternos provavelmente começam durante ou até mesmo antes da gestação, e geralmente permanecem nos períodos perinatal e pós-natal.
Um estudo recente, publicado no Jama Network, analisou dados de cerca de 11 mil gestantes com sintomas depressivos e apontou que eles — sejam discretos ou intensos — têm início mais cedo e duram mais tempo do que normalmente se pensava, com poucas evidências de que o início aconteceu após o parto — o que reforça a importância de estender os cuidados psicológicos para todo o período gestacional e não apenas após o nascimento do bebê.
Segundo Negrini, existem alguns fatores de risco que deixam a mulher mais suscetível a desenvolver depressão pós-parto — entre eles, estão ser mãe solo, não ter planejado a gravidez, ter problemas socioeconômicos, histórico familiar ou pessoal de depressão, ter tido um parto difícil ou diferente do planejado. O problema é que nem sempre esses fatores são previamente identificados para que essa mulher possa ser acompanhada adequadamente.
“Essas questões mais comportamentais deveriam ser abordadas durante as consultas do pré-natal para que o médico pudesse identificar os riscos e encaminhar a gestante para a psicoterapia, quando necessário. O problema é que uma consulta de pré-natal no SUS costuma durar, em média, 15 minutos. Será que o colega obstetra terá tempo de abordar questões comportamentais e ao mesmo tempo cuidar das coisas mais urgentes da gravidez, como evitar diabetes, hipertensão?”, argumentou o coordenador-médico da obstetrícia do Einstein.
Negrini ressalta, ainda, que um pré-natal ideal deveria incluir pelo menos uma consulta por mês até a gestação completar 28 semanas. Em seguida, as consultas deveriam ser quinzenais até a gravidez completar 36 semanas e, depois, ser semanais até o momento do parto. “O mundo ideal envolve de 15 a 16 consultas. Mas no SUS o pré-natal inclui cerca de oito consultas. Nem sempre é possível identificar problemas de saúde mental em poucos atendimentos”, explica.
A psiquiatra Carmita Abdo, membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), elogia a nova legislação, mas ressalta que, dependendo do quadro, algumas gestantes precisarão de atendimento psiquiátrico — com uso de medicações antidepressivas — e não somente atendimento psicológico. Esse detalhe sobre a diferença dos atendimentos ainda não ficou definido na lei.
“A lei é muito bem-vinda, muitas mulheres desenvolvem transtornos mentais na gestação, mas precisamos de mais detalhamento para entender como será garantido esse atendimento de forma integral e multidisciplinar. O profissional do pré-natal é o médico ginecologista e a avaliação sobre a saúde mental terá de fazer parte da rotina desses atendimentos para que essa mulher seja encaminhada e tratada adequadamente”, disse Abdo.
Segundo o Ministério da Saúde, a nova legislação altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e se une às ações da Rede Cegonha — estratégia lançada pelo SUS em 2011 para atender a gestante desde o pré-natal, parto e no puerpério. Segundo a pasta, a própria Rede Cegonha prevê o acolhimento às intercorrências na gestação, com avaliação e classificação de risco e vulnerabilidade, além de acompanhamento por equipe multiprofissional.
Além disso, o Ministério da Saúde ressaltou que o SUS se organiza a partir da Rede de Atenção à Saúde e nela estão incluídas as duas principais redes envolvidas na nova legislação: a Rede Cegonha e a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
“A articulação da Rede Cegonha e da Rede de Atenção Psicossocial possibilita às usuárias o acesso aos serviços ofertados no SUS e assegura-se a integralidade do cuidado para garantir uma assistência à saúde que transponha as práticas curativas e contemple o indivíduo em todas as necessidades de cuidado em saúde, considerando o seu contexto social, familiar, territorial e cultural”, informou a pasta, em nota.
Dessa forma, segundo o Ministério da Saúde, se o serviço em que a gestante está sendo atendida não contar com atendimento psicossocial, ela será encaminhada para o serviço de referência da RAPS.