rafastockbr/Shutterstock.com
Liberação de Auxílio-acidente pelo INSS com requisitos atualizados O objetivo do presente artigo é discutir a possibilidade da concessão do auxílio-acidente para os segurados acometidos de sequelas que geram a perda da capacidade laborativa de forma parcial e permanente, decorrente de doença de qualquer natureza que não esteja relacionado com o trabalho.
A regra geral prevista no artigo 86 da lei 8.213/1991 é clara ao declinar que o “auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia”.
Essa lei originalmente limitava a concessão do benefício às hipóteses de acidente de trabalho, todavia, com o anseio da sociedade houve uma evolução legislativa que estendeu o benefício de auxílio-acidente para “acidente de qualquer natureza”.
A discussão apresentada neste artigo está pautada na possibilidade de estarem incluídas no conceito de acidente de qualquer natureza as doenças em geral, ainda que não ligadas ao trabalho do segurado.
Analisando friamente a regra prevista na lei 8.213/1991, podemos afirmar que para concessão do auxílio-acidente a sequela deve ser somente decorrente de acidente de qualquer natureza, não necessariamente relacionado a acidente de trabalho.
Segundo estabelece o artigo 147, parágrafo único da Instrução Normativa do INSS/PRES nº 77/2015: “Entende-se como acidente de qualquer natureza aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos ou biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa”.
Considerando exclusivamente esse entendimento do INSS, estaria, em tese, excluída a possibilidade de concessão do auxílio-acidente para doença de qualquer natureza, porém, não devemos interpretar essa legislação de forma essencialmente literal.
Em primeiro lugar, já temos uma exceção prevista na mesma lei 8.213/1991 em seu artigo 20, vejamos:
“Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho”.
Conforme especificado no dispositivo legal acima transcrito, doença ocupacional se equipara a acidente do trabalho e consequentemente o segurado terá direito ao auxílio-acidente se em decorrência dela houver perda parcial da capacidade laborativa.
A doença ocupacional deve ser entendida como aquela desenvolvida em razão das atividades laborativas, exemplo típico, são trabalhadores que realizam esforço repetitivo e são acometidos por uma patologia conhecida como LER/TENDINITE que consiste na inflamação de um tendão que gera dor para realizar movimentos e acaba ocasionando diminuição da capacidade laborativa.
Nesta situação acima descrita em que o segurado seja acometido por LER/TENDINITE fruto do esforço repetitivo no trabalho e tenha sua capacidade laborativa diminuída, este terá direito ao recebimento do auxílio-acidente, tendo em vista que doença ocupacional se equipara a acidente de trabalho.
É preciso lembrar que situações em que o segurado venha a perder totalmente a capacidade laborativa, o benefício será o de aposentadoria por invalidez.
Já restou claro que existe exceção a regra de que só devem receber auxílio-acidente o segurado que tenha sofrido acidente.
Entretanto ainda resta dúvida se seria possível a concessão do auxílio-acidente em relação às doenças de qualquer natureza, não necessariamente relacionadas a atividades laborais, ainda que suas sequelas possam levar à redução da capacidade para o trabalho.
A questão é bastante polêmica e merece uma análise mais profunda. É preciso reconhecer que a Justiça vem afirmando em muitas oportunidades que para a concessão do auxílio-acidente é necessário o preenchimento dos requisitos legais, sendo que o primeiro deles é o acidente.
Desta forma, segundo esse entendimento, se o segurado é acometido de doença, mesmo com sequelas que impliquem em redução da capacidade laborativa, não terá direito ao benefício, ressalvando apenas a doença relacionada ao trabalho, que é equiparada, para fins legais, a acidente do trabalho (art. 20 da Lei nº 8.213/91).
Exemplos não faltam:
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-ACIDENTE OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LIMITAÇÃO NÃO DECORRENTE DE ACIDENTE. 1. Tendo o laudo atestado a capacidade laborativa do autor, não cabe a concessão de aposentadoria por invalidez, uma vez que ainda pode trabalhar na agricultura, ainda que necessite ele empregar maior esforço para a realização de suas atividades habituais. 2. O auxílio-acidente é devido quando comprovada a existência de seqüela decorrente de acidente de qualquer natureza, bem como a redução da capacidade laborativa do segurado, que lhe dificulta a realização do trabalho. 3. Sendo a limitação de que sofre o autor decorrente de doença, mas não de acidente, é indevida a concessão do auxílio-acidente. (TRF4, AC 2009.71.99.004324-8, Turma Suplementar, Relator Luís Alberto D’azevedo Aurvalle, D.E. 05/10/2009)
O entendimento exposto na decisão acima vem sofrendo críticas e já existe atualmente uma forte tendência para que se reconheça o direito do segurado de receber auxílio-acidente em caso de sequela decorrente também por doença de qualquer natureza.
Essa tendência é justificada em razão do fato gerador da concessão do auxílio-acidente ser a redução da capacidade laborativa do trabalhador para sua atividade habitual.
Por isso, pouco importa se a causa da referida limitação é acidentária, patológica, de trajeto ou qualquer outra, pois o que realmente importa é a proteção social ao segurado que, por algum dos motivos elencados, não reúne condições de exercer a mesma função com o mesmo vigor e perfeição, ou outra compatível com seu estado de saúde.
É preciso reconhecer que o termo “acidente” não pode se limitar ao determinado através da Instrução Normativa 77 do INSS, ou seja, não pode ser considerado apenas em caso fortuito, inesperado, mas pode significar também um acontecimento desagradável que cause dano, perda, lesão, sofrimento ou morte e nisso estaria perfeitamente enquadrado a doença de qualquer natureza.
A própria legislação previdenciária ampliou o conceito de acidente para incluir na proteção social outras possibilidades de causas de incapacidade que não são efetivamente oriundas de acidente na sua acepção jurídica do termo.
Existe ainda uma questão de constitucionalidade, uma vez que a Constituição Federal não faz qualquer referência a “acidente” como fato gerador da proteção social, mas sim “doença”. Vejamos o que estabelece o regramento constitucional:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (…)”
Evidentemente que se a Constituição Federal determina proteção ampla para os casos de doença que incapacite o trabalhador, qualquer norma ou decisão que venha limitar tal proteção deve ser entendida como inconstitucional.
Deve ser somado ainda que a Constituição Federal, determina em seu artigo 5º que “todos são iguais perante a lei”, ou seja, o princípio da isonomia determina que não exista discriminações e que a lei não pode fazer distinção entre os cidadãos brasileiros.
Se considerássemos que dois trabalhadores tenham perda de capacidade laborativa, sendo que um deles possua incapacidade parcial decorrente de acidente e consequentemente receba o auxílio-acidente e o outro por ter perda de capacidade laboral decorrente de doença de qualquer natureza não tenha o mesmo direito ao auxílio-acidente, estaremos nitidamente diante de uma desigualdade, o que é vetado pela Constituição Federal.
Por esses motivos, a Justiça já tem demonstrado uma mudança de posicionamento para reconhecer o direito a concessão do auxílio-acidente para doenças de qualquer natureza:
O INSS recorreu da r. sentença que julgou procedente o pedido para condená-lo ao pagamento de auxílio-acidente à recorrida, Conceição Aparecida de Figueiredo, ao argumento de que a sentença é nula por julgar fora do pedido e por este Juizado ser absolutamente incompetente para processar e julgar pedidos de auxílio-acidente. Nada obstante a recorrida não ter pedido expressamente o benefício de auxílio-acidente, diz o art. 460 do CPC que é vedado o juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida. Entretanto, o auxílio-acidente é benefício previdenciário da mesma natureza que a aposentadoria por invalidez e o auxílio-doença, tendo como essência a incapacidade para o trabalho. A instrução probatória tratou de todos os fatos relacionados aos três benefícios, de maneira que a fungibilidade aplicada pelo juízo a quo respeita a natureza que liga os mesmos: a incapacidade para o trabalho. De outro lado, não colhe o argumento de que o auxílio-acidente somente pode ser conhecido pela Justiça dos Estados, uma vez que o caso vertente não trata de acidente de trabalho, mas de doença (câncer de língua e face), sem qualquer correspondência com o exercício de atividade laborativa. Saliente-se que o benefício em questão é cabível em razão de acidente de qualquer natureza, conforme expresso no caput do art. 86 da Lei n. 8.213/91, não se limitando a acidente de trabalho, como quer fazer crer o recorrente. Superadas as argumentações de nulidade da sentença, vejo que, no que se refere ao mérito propriamente dito, não há o que retocar na r. sentença, mantendo-a por seus próprios e jurídicos fundamentos. Diante do exposto, voto pelo improvimento ao recurso do INSS, condenando-o ao pagamento das despesas processuais e honorários do advogado da recorrida, que fixo em 10% do valor da condenação.” (Recurso Cível. Autos nº 200361850012092, extinta Turma Recursal do Juizado Especial Federal de Ribeirão Preto).
A decisão acima nos leva a acreditar que atualmente já existe uma possibilidade de se reconhecer que a concessão do auxílio-acidente seja contemplada para os segurados que sofreram diminuição de capacidade laborativa decorrente de acidente e doença de qualquer natureza.
Podemos concluir que o auxílio-acidente é devido a todos os segurados que de alguma forma tenha perdido parte da capacidade laborativa em decorrência de acidente ou doença de qualquer natureza, vez que o conceito de acidente é mais amplo do que entende administrativamente o INSS e negar o benefício aos segurados parcialmente incapacitados em razão de doença seria discriminá-los, o que é vedado expressamente pela Constituição Federal.
Parceiro: SaberaLei -Gilberto Vassole -Advogado atuante na área do Direito Trabalhista e Direito Empresarial. Membro efetivo da comissão de direito do trabalho da OAB/SP, Pós Graduado em Processo Civil e Mestrando.